Autores:jjjjjjj Paulo Cesar Naoum
Flávio Augusto Naoum
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Introdução
As talassemias beta são mais heterogêneas
do que as do tipo alfa. Caracterizam-se por uma alteração
quantitativa da síntese de globinas beta e são classificadas
como talassemias beta zero (ou talassemia b
0) quando não há síntese
de globinas, e talassemias beta mais (ou talassemia b+)
quando há alguma taxa de síntese. Consequentemente
as globinas alfa, que são sintetizadas normalmente, acumulam-se
nos eritrócitos, durante a eritropoiese, causando agregação
e precipitação. Os precipitados, formados em quantidades
variáveis, danificam a membrana e destroem prematuramente
essas células provocando a anemia (figura 7.11). |
Figura 7.11: Lesões nas membranas de
eritrócitos de pessoa com talassemia beta causadas pela precipitação
de globinas alfa livres. Essas globinas livres causam a lipoperoxidação
da dupla camada lipo-protéica dos eritrócitos talassêmicos,
reduzindo o tempo de vida dessas células. |
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As supressões parcial e total das globinas
beta, bem como das globinas delta e gama situadas no mesmo cromossomo
11, e que dão origem aos diferentes genótipos de talassemias
b, d e g,
estão representados na figura 7.12.
De forma geral, os tipos mais comuns entre as
talassemias beta são as heterozigoses: bA/b0,
bA/b+
mediterrâneo, bA/b++
africano, bA/b+
silenciosa, bA/b0
com Hb A2 normal, e bA/b+
com Hb A2 normal. As talassemias beta homozigotas correspondentes
são: b0/b0,
b+/b+
mediterrâneo, b++/b++
africano, b+/b+
silenciosa, b0/b0
com Hb A2 normal, e b+/b+
com Hb A2 normal. A tabela 7.3 apresenta as principais
características laboratoriais desses tipos de talassemias
beta,nos estados de heterozigose e homozigose. A figura 7.13 representa
esquematicamente as conseqüências laboratoriais da redução
parcial ou total da síntese de globina beta, nas talassemias
beta heterozigotas (ou menor), e nas talassemias beta homozigotas
com redução parcial de síntese de globina beta
(b+/b+
ou b0/b+)
e redução total de globina beta (b0/b0),
ambos são clinicamente caracterizados como talassemia beta
maior.
O modo de herança das talassemias, assim
como de outras alterações genéticas da hemoglobina,
é autossômico, e o termo dominante ou recessivo é
difícil de ser aplicado, porque alguns heterozigotos apresentam
claros distúrbios clínicos, ao passo que outros não.
No entanto, a talassemia beta é considerada de herança
autossômica recessiva, porque são necessários
dois genes anormais da globina beta para produzir o fenótipo
clinicamente detectável. Recentemente, no entanto, formas
dominantes de talassemia beta têm sido identificadas, as quais
resultam em fenótipos de talassemia intermédia para
portadores de um único gene alterado.
Com a utilização de técnicas
de biologia molecular foi possível a identificação
de aproximadamente 180 tipos diferentes de talassemias beta, cujas
diversidades estão relacionadas com os graus de lesões
no gene beta, podendo inclusive atingir os genes delta, pseudogene
beta-1, os genes gama alanina e gama glicina e até o gene
embrionário épsilon. A figura 7.14 representa por
meio de traços pretos a intensidade de lesão por deleção
sofrida pelos genes do complexo (b, d,
gA, gG,
wb1
e e), em alguns casos bem conhecidos
de talassemia beta.
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Figura 7.12: Representação esquemática
de alguns genótipos de talassemia beta. Os genótipos
b+ tal. e b0
tal. são as formas mais freqüentes seguidas de PHHF (persistência
hereditária de Hb Fetal). |
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Figura 7.13: Relação entre quantidade
de globinas alfa livre, níveis de Hb A, Hb A2 e
Hb Fetal, e gravidade do quadro clínico em pacientes com talassemia
beta menor e maior.
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Tabela 7.3
– Principais características laboratoriais dos tipos
mais comuns de talassemia beta. |
Homozigoto |
Tipo de talassemia |
Sinônimo
clínico |
Anemia |
% Hb F |
%
Hb A2 |
b+ |
Cooley, Talassemia maior |
++++ |
~90 |
Normal ou aumentada |
b+ Mediterrâneo |
Cooley |
+++ |
20-80 |
Normal ou aumentada |
b++
Africano |
Talassemia intermédia |
++ |
20-40 |
Normal ou aumentada |
b+
Silenciosa |
Talassemia intermediária |
+/++ |
10-30 |
Aumentada |
b0
ou b+ com
Hb A2 normal |
Talassemia intermediária |
++ ou +++ |
20-80 |
Normal |
+: graduação de intensidade; (+): discreta; (++): moderada;
(+++): grave; (++++): muito grave; (-): ausente. 
Heterozigoto |
Tipo de talassemia |
Sinônimo
clínico |
Anemia |
% Hb F |
% Hb A2 |
b+ |
Talassemia menor |
± |
Pouco elevada em 50% dos casos |
> 4,0 |
b+ Mediterrâneo |
Talassemia
menor |
± |
Pouco elevada em 50% dos casos |
> 4,0 |
b++
Africano |
Talassemia menor |
± |
Pouco elevada ou normal |
> 4,0 |
b+
Silenciosa |
— |
- |
Normal |
> 4,0 |
b0
ou b+ com
Hb A2 normal |
Talassemia menor |
± |
Normal |
4,0 |
+: graduação de intensidade; (+): discreta; (++): moderada;
(+++): grave; (++++): muito grave; (-): ausente. |
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Figura 7.14: Esquema representativo do complexo gênico
beta, relacionando os diferentes tipos de deleção que
atingem os genes b, d,
gA, gG, wb1
e e, as formas de talassemia beta.
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Fisiopatologia
O processo fisiopatológico
da talassemia beta está muito relacionado com o desequilíbrio
que se verifica entre as sínteses de globina alfa e beta.
Com a síntese de globina beta afetada, por diminuição
parcial (b+) ou bloqueio
total (b0), a relação
a/b supera
o valor de equilíbrio que é de 1,0. A globina alfa,
que não teve sua síntese alterada, apresenta produção
normal, e como não há globina beta suficiente para
formar tetrâmeros a2b2
ocorrerá a presença de globinas alfa livres, cuja
intensidade é proporcional à piora do quadro clínico
do portador, seja recém-nascido, ou com idade acima de
6 meses, conforme ilustra a figura 7.15.
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Figura 7.15: Representação gráfica do
quadro clínico do paciente com talassemia maior (médio,
grave e piora do quadro) relacionados com a quantidade de Hb A e Hb
Fetal. Quanto maior a concentração de Hb A ou de Hb
Fetal em g/dL o quadro melhora. |
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Fisiologicamente o excesso de globinas (ou cadeias)
alfa livres se instabiliza e se precipita sob forma de corpos de
inclusão nos eritroblastos. Essa precipitação
provoca situações patológicas celulares, conforme
o local de sua ocorrência. Quando se dá na medula óssea,
observa-se uma seqüência de fenômenos que se iniciam
pela peroxidação dos lipídeos da membrana eritrocitária
e geração de espécies ativadas de oxigênio,
os radicais oxidantes ou radicais livres. A célula com baixa
hemoglobinização é particularmente sensível
a esse tipo de agressão tóxico-oxidante, pois a membrana
lesada permite a perda de potássio e adenosina-tri-fosfato
(ATP), tornando o eritrócito rígido, sem o poder natural
da deformabilidade, e como conseqüência dificulta sua
saída da medula óssea para o sangue periférico.
Por outro lado, as células que têm
maior hemoglobinização, mesmo que seja pela presença
de Hb Fetal, apresentam-se com menores graus de lesões e,
portanto, maior período de vida. Ainda em nível de
células eritroblásticas, a precipitação
de globinas alfa causa o bloqueio da síntese de DNA com conseqüente
interrupção da síntese de globinas. O somatório
das situações anteriormente mencionadas: precipitação
de globina alfa, rigidez celular e lesão do DNA, provoca
a eritropoiese ineficaz que é responsável pela situação
de anemia e pelo aumento da absorção do ferro.
Quando os eritrócitos com os corpos de
inclusões compostos por globinas alfa atingem o sangue periférico,
sua rigidez, associada às lesões na membrana eritrocitária,
contribui para o seqüestro dessas células durante a
circulação nos sinusóides esplênicos.
O resultado dessa atuação fisiopatológica que
se verifica nos doentes talassêmicos é a anemia hemolítica,
com aumento da concentração da bilirrubina indireta
e da esplenomegalia. A esplenomegalia pode resultar em hipereslenismo,
pelo aumento da função do baço, levando a um
processo mais abrangente de destruição das células
do sangue, gerado a leucopenia e a plaquetopenia. A leucopenia pode
contribuir par a instalação de infecções,
constituindo-se em importante causa dos óbitos verificados
em doentes com talassemia beta maior. A plaquetopenia induz, por
sua vez, o derramamento de sangue nasal (epistaxes).
As conseqüências provenientes da eritropoiese
ineficaz, hemólise e hiperesplenismo resultam em anemia
grave com anoxia, cardiopatias que são
importantes causas de óbito na talassemia maior, hipermetabolismo
com emagrecimento, febre, aumento do nível de ácido
úrico e gota, e a necessidade de transfusões
repetidas de sangue. Essas transfusões, que se tornam periódicas
para os talassêmicos doentes, causam o acúmulo de ferro
e da ferritina, podendo ocorrer hepatopatias graves por hepatite
transfusional, além de doenças transmissíveis
em transfusões, notadamente a AIDS e hepatite C, e esporadicamente
doença de Chagas e Sífilis.
Devido à deficiência significativa
de globina beta, a formação de hemoglobina fica por
conta das globinas alfa e gama, resultando a elevação
percentual ou relativa da Hb Fetal. Embora, com baixa concentração
corpuscular, a Hb Fetal com sua alta afinidade pelo oxigênio
contribui para a anoxia tecidual. A anoxia tem efeitos maléficos
ao organismo, predispondo-o às infecções, ao
aparecimento de úlceras nas pernas e à interferência
na secreção de eritropoietina que promove a hiperplasia
eritróide. A hiperplasia eritróide causa o aumento
da absorção do ferro, com seu acúmulo sob forma
de ferritina. Nesse caso específico de acúmulo de
ferro o doente talassêmico grave pode ter várias conseqüências
patológicas desde que não utilize de processos de
eliminação do ferro. Outras situações
fisiopatológicas importantes se devem à diminuição
do nível de folatos, que promove um quadro hematológico
em sangue periférico similar ao da anemia megaloblástica,
e as lesões ósseas determinam a presença de
deformidades do crânio, maxilar e face, baixa estatura e a
presença de massas extra-ósseas, ou metaplasias mielóides,
com formações tumorais no mediastino e retroperitônio,
ou acentuada esplenomegalia e hepatomegalia.
Finalmente, o aumento da bilirrubina indireta,
especialmente na talassemia beta maior, produz a excreção
de dipirróis pela urina e litíase biliar.
As figuras 7.16, 7.17 e 7.18 mostram de forma
esquemática a seqüência dos eventos fisiopatológicos.
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Figura 7.16: Conseqüências fisiopatológicas
causadas pelo despareamento de globinas alfa livres.
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Figura 7.17: Conseqüências fisiopatológicas
causadas pelo despareamento de globinas alfa livres.
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Figura 7.18: Intercorrências comuns na talassemia
beta maior.
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Talassemia beta homozigota (maior)
O primeiro relato científico
da talassemia beta homozigota foi realizado por um pediatra americano,
o Dr. Thomas B. Cooley, que juntamente com sua colega Pearl Lee
descreveu, em 1925, os achados hematológicos e clínicos
efetuados em quatro crianças que apresentavam anemia grave
com aumento do baço e deformidades dos ossos da face e
do crânio. Destacaram um fato importante: as crianças
tinham origem ancestral da região do mar Mediterrâneo,
por serem de descendências italiana e grega. A partir desse
relato, essa síndrome foi denominada por anemia de Cooley
& Lee, mas constantemente referida apenas como anemia de Cooley.
Alguns anos depois, devido à alta prevalência de
relatos similares, principalmente na Itália e na Grécia,
e também no Líbano, Tunísia, Argélia
etc., esses casos de anemias graves passaram a ser conhecidos
como Anemia do Mediterrâneo. Mais tarde, durante o Congresso
Internacional de Hematologia de 1940, um grupo de cientistas optou
pelo termo talassemia major, onde, em grego,
thalassa significa mar, e aima,
doença do sangue. A adjetivação da gravidade
inicialmente foi caracterizada pela palavra major,
que significa maior. Posteriormente, com o aprofundamento dos
estudos genéticos, passou-se a conhecer melhor as formas
de transmissões hereditárias e os defeitos dos genes,
e a forma grave foi denominada de talassemia beta homozigota;
a talassemia minor ou menor, de heterozigota;
e a talassemia intermédia foi definida por uma classificação
muito mais clínica do que genética ou laboratorial.
A talassemia beta homozigota é, portanto,
o resultado do estado homozigoto tanto do tipo b+
quanto do tipo b0 ou, em
casos mais raros, de duplo componente heterozigoto b+/b0.
A ausência ou deficiência acentuada na produção
de cadeias beta causa anemia grave devido à hemólise
intramedular, bem como no baço. As crianças afetadas
pela talassemia beta homozigota padecem de anemia no primeiro
ano de vida, a partir do período em que o nível
de produção de globina gama decresce, e não
há a devida hemoglobinização pela diminuição
de síntese de globina beta, enquanto a globina alfa tem
sua síntese normal. O resultado do desequilíbrio
de síntese se manifesta por efeitos fisiopatológicos
já descritos. A figura 7.19 mostra uma representação
gráfica das falhas do gene beta relacionados às
talassemias menor e maior.
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Figura 7.19: Representação gráfica
de diversas possibilidades de falhas no gene beta do complexo gênico
b, d e g
como resultado de talassemias beta menor e maior.
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Muitos dos doentes afetados morrem na infância
ou na adolescência, podendo, entretanto, alcançar a
terceira década, conforme a atenção médica
e terapêutica recebidas. Destaca-se, porém, que as
principais causas de óbito são infecções
ou insuficiências cardíacas, devido à deposição
de ferro no miocárdio. O acúmulo de ferro é
decorrente da extensa e prematura destruição dos eritrócitos,
tanto daqueles que são continuamente produzidos para suprir
a anemia hemolítica, quanto dos recebidos em transfusões
sanguíneas freqüentes e necessárias, bem como
da absorção gastrointestinal aumentada do ferro recebido
pela dieta alimentar.
O padrão de hemoglobinas nos pacientes
com talassemia beta homozigota é variável, caracterizando-se
pelo aumento de Hb Fetal, com concentrações que variam
de 20 a 90%. A Hb A2 pode estar normal ou elevada e a
Hb A aparece somente nos casos de deficiência parcial da síntese
de cadeias beta. As crianças que não recebem tratamento
adequado desenvolvem o quadro clínico típico da talassemia
beta maior, que inclui, além da anemia grave, deformidades
ósseas devidas à hiperplasia medular, hepatoesplenomegalia,
pigmentação marrom da pele, distúrbios cardíacos
e endócrinos, atraso no crescimento e na maturação
sexual, infecções recorrentes e deficiência
de ácido fólico. Por isso, para garantir a sobrevida
dos pacientes, é necessário o tratamento contínuo
que consiste em transfusões sanguíneas regulares,
que mantêm um nível de hemoglobina adequado e diminue
a atividade da medula óssea, e no uso de quelantes do ferro,
que auxiliam a eliminação do excesso desse metal no
organismo. As tabelas 7.4 e 7.5 resumem as principais características
laboratoriais que são comuns em pacientes com talassemia
beta homozigota ou maior.
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Tabela 7.4:
Sinopse das alterações laboratoriais em doentes com
talassemia beta maior. |
Talassemia Beta Maior |
Características Laboratoriais |
[ ] Hb Fetal – 20 a 90%
[ ] Anemia hemolítica microcítica e hipocrômica
(Hb < 7g/dL) |
[ ] Morfologia eritrocitária: |
anisocitose
células em alvo
formas bizarras
células fragmentadas
siderócitos
pontilhados basófilos |
poiquilocitose
esferócitos
hipocromia
eritroblastos
anel de Cabot |
[ ] Reticulócitos: aumentados
[ ] Leucócitos: frequentemente elevados com desvio à
esquerda
[ ] Plaquetas: normais
[ ] Ferro sérico e capacidade de transporte: elevada
[ ] Ferritina: elevada
[ ] LDH sérico: elevado
[ ] Bilirrubina indireta: elevada (1 a 3mg/dL)
[ ] Urobilinogênio na urina: elevado
[ ] Sobrevida dos eritrócitos: diminuída
[ ] Fragilidade osmótica: diminuída
[ ] Fragilidade mecânica: aumentada
[ ] Medula óssea: hiperplasia das células eritróides |
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Talassemia
beta homozigota (menor)
O estado heterozigoto da talassemia beta é
caracterizado geneticamente pela herança de um único
componente alterado (figura 7.19). Nas formas b0
e b+, a redução
da taxa de síntese da globina beta é menor, mas o
suficiente para causar discreto grau de anemia microcítica
e hipocrômica com aumento de resistência osmótica
dos glóbulos vermelhos. São indistinguíveis
por exames laboratoriais de rotina (tabela 7.3), entretanto, com
a utilização de técnicas de síntese
de cadeias ou de biologia molecular com sondas específicas
de DNA, podem-se diferenciar esses heterozigotos.
Muitas vezes, a doença é mal diagnosticada e os pacientes
são tratados inadequadamente, como se apresentassem anemia
por deficiência de ferro. Laboratorialmente, as formas de
talassemia b0 ou b+
caracterizam-se pelo aumento de Hb A (fig.7.20) cuja concentração
varia de 4 a 7%, alterações morfológicas dos
eritrócitos identificados especialmente por microcitose e
hipocromia com muitos esquisócitos, dacriócitos e
pontilhados basófilos (fig. 7.21), resistência osmótica
aumentada na solução de NaCl a 0,36%, diminuição
da hemoglobina corpuscular média (HCM) e do volume corpuscular
médio (VCM). A Hb Fetal pode estar normal ou discretamente
aumentada. As manifestações clínicas, quando
presentes, variam entre os diferentes grupos raciais, e entre elas
podemos citar astenia, cansaço e baço palpável.
A artrite também pode ser constatada na talassemia beta heterozigota.
Os níveis de ácido fólico e vitamina B12 plasmáticas
apresentam-se dentro dos limites normais em talassêmicos beta
heterozigotos.
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Figura 7.20: Hb A2 aumentada em portadores
de talassemia beta menor, visualizada por meio de eletroforese alcalina
(pH 8,5) em acetato de celulose em comparação com Hb
AA e Hb A2 normal.
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De uma forma geral, a maioria dos portadores de talassemia beta,
heterozigota apresentam padrões hematológicos que
são coincidentes em 90% dos casos descritos na literatura:
VCM: (61 a 73) fl
HCM: (20 a 24) pg
Hb A2: (4 a 7)%
Formas atípicas de talassemia beta heterozigota podem ocorrer,
das quais os principais tipos são os seguintes:
Tipo 1 – talassemia beta heterozigota, com
Hb A2 aumentada, VCM e HCM normais.
Tipo 2 – talassemia beta heterozigota, com
Hb A2 diminuída, Hb Fetal discretamente elevada,
VCM e HCM diminuídas. Esses casos são suspeitos de
talassemia heterozigota beta-delta.
Tipo 3 – talassemia beta heterozigota, com
Hb A2 normal e VCM e HCM diminuídos. Esses casos
são suspeitos da associação entre talassemia
alfa e beta heterozigotas.
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Figura 7.21: Morfologia eritrocitária
típica de talassemia beta menor.
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Talassemia
intermediária
As formas clínicas denominadas por talassemia
intermédia são aquelas resultantes de diferentes interações
genéticas, cujos portadores apresentam quadro clínico
mais ameno do que o da talassemia beta maior e não são
dependentes de transfusão sanguínea. A talassemia
beta intermédia pode decorrer da interação
das talassemias alfa e beta, com redução concomitante
e significativa de ambas as cadeias globínicas, o que diminui
o número de cadeias desemparelhadas e propicia uma redução
na taxa de destruição dos eritrócitos em comparação
com as formas graves de talassemias. Entretanto a forma mais prevalente
de talassemia beta intermédia se deve a lesões do
tipo b+ ( b+/
b+), cujo diagnóstico
laboratorial somente é feito por biologia molecular. A talassemia
beta intermédia pode decorrer também de manifestações
da talassemia beta com alguns tipos de hemoglobinas variantes, particularmente
a Hb E, Hb S e Hb C.
Interações entre talassemia
beta e Hb variantes
As formas interativas mais freqüentes entre
talassemias beta e hemoglobinas variantes, no Brasil, são
Hb S/beta talassemia e Hb C/beta talassemia. Há três
formas principais de Hb S/beta talassemia: (a) Hb S/ b0
talassemia, (b) Hb S/ b+
talassemia tipo Mediterrâneo, (c) Hb S/ b++
talassemia tipo Negro.
A forma Hb S/ b0
talassemia apresenta-se clinicamente parecida com a anemia falciforme,
ou Hb SS, mas seus eritrócitos mostram os valores de HCM
e VCM diminuídos. Na análise eletroforética
a concentração de Hb S é variável
entre 80 e 90%, a Hb Fetal está aumentada (até 10%),
há ausência de Hb A, e a Hb A 2 está
constantemente elevada. Para se efetuar um diagnóstico
laboratorial seguro é importante a realização
de exames nos pais dos portadores, que certamente se apresentarão
como sendo um deles portador de talassemia b
heterozigota e outro de Hb S. Para melhor entendimento veja a
figura 6.55, no capítulo 6 “Doença falciforme”
– Diagnóstico laboratorial das doenças das
células falciformes, deste site.
A forma de Hb S/ talassemia b+
Mediterrâneo é similar em gravidade à anemia
falciforme, excetuando-se com relação às
crises de falcização, que ocorrem com menor freqüência,
apresentando, entretanto, um hiperesplenismo que causa anemia
mais proeminente. As alterações nos eritrócitos
são características das talassemias e na análise
eletroforética observa-se a presença de Hb A (15
a 30%), bem como Hb S, sempre com maior concentração
que a Hb A. A Hb Fetal e Hb A2 podem estar elevadas, sem ser regra
geral. Para melhor entendimento veja as figuras 6.56 e 6.57, no
capítulo 6 “Doença falciforme” –
Diagnóstico laboratorial das doenças das células
falciformes, deste site. A forma Hb S/talassemia b++
tipo Africano é moderada, os portadores são menos
anêmicos do que aqueles com a forma Mediterrânea.
Os índices hematimétricos são parecidos com
aqueles observados em talassêmicos heterozigotos. A análise
eletroforética mostra a concentração de Hb
A variável entre 25 e 30%, Hb S com níveis quantitativos
superiores ao da Hb A, e hemoglobinas A2 e Fetal com valores elevados.
As interações envolvendo Hb C
e talassemia beta não diferem muito em relação
à explanação anterior a respeito da Hb S.
Talassemia beta-delta
Essa talassemia é resultante da deficiência
de ambas globinas beta e delta, que está associada à
hemoglobinização deficiente dos eritrócitos.
A talassemia beta-delta no estado de homozigose
produz quadro clínico semelhante ao verificado na talassemia
intermédia. A Hb Fetal constitui 100% da concentração
total da hemoglobina, devido à ausência de síntese
das hemoglobinas A e A2. A análise citológica
dos eritroblastos, corados com solução supravital,
mostra a presença de agregados de cadeias alfa, enquanto
a fragilidade osmótica e a HCM estão diminuídas.
A forma heterozigota, por sua vez, é caracterizada por
níveis normais de Hb A2, a Hb Fetal apresenta-se
com valores variáveis entre 5 a 20%, a anemia é
discreta e a HCM está diminuída na maioria dos
portadores. A Hb Fetal está heterogeneamente distribuída
entre os glóbulos vermelhos quando analisada em esfregaço
submetido ao teste de eluição ácida, conforme
mostra a figura 7.22.
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Figura 7.22: Distribuição heterogênea
de Hb Fetal intra-eritrocitária. Esse teste citológico
é usado para diferenciar o aumento da concentração
de Hb Fetal que ocorre na persistência hereditária de
Hb Fetal (distribuição homogênea) das talassemias
beta maior e intermédia (distribuição heterogênea).
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Associação
entre talassemias beta e beta-delta
A heterozigose dupla para talassemias beta e beta-delta
com Hb Fetal elevada é mais freqüente na Grécia.
Os portadores dessa forma de talassemia têm anemia de gravidade
intermediária, geralmente compensada sem transfusões.
Entretanto, os sinais clínicos e a manifestação
da anemia variam consideravelmente, e alguns pacientes podem ter
hepatoesplenomegalia, anemia e osteoporose. Os pacientes padecem,
ainda de predisposição à anemia hemolítica
auto-imune. Os resultados hematológicos são similares
àqueles encontrados na talassemia beta homozigota, com graves
alterações eritrocitárias, diminuição
da HCM e da fragilidades osmótica, corpos de inclusão
são compostos por agregados de cadeias alfa livre, alta concentração
de Hb Fetal (50 a 90%) e Hb A2 normal ou diminuída
(figura 7.23). A distribuição da Hb Fetal intracelular
é geralmente homogênea. O diagnóstico é
confirmado por exames nos pais, um deles é heterozigoto para
talassemia beta e outro para variante beta-delta com Hb Fetal elevada. |
Figura 7.23: Esfregaço de sangue de paciente
com anemia grave, típica de beta maior, mas que análises
laboratoriais revelaram ter genótipo b0d/b0d.
Hipocromia acentuada, eritroblastos, corpos de Howell-Jolly, etc.
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Talassemia
delta
Desde que a Hb A 2 representa somente
uma menor fração da hemoglobina total, o desequilíbrio
da síntese de cadeia delta não tem efeito significativo
na morfologia dos glóbulos vermelhos e não tem importância
clínica, a menos que esteja associada com outra hemoglobina
anormal. Na talassemia delta heterozigota espera-se uma diminuição
da Hb A 2, enquanto nos homozigotos esta fração
está totalmente ausente.
Persistência hereditária de Hb Fetal
A persistência hereditária da hemoglobina
Fetal (PHHF) é um termo que abrange uma variedade de condições,
todas associadas com a produção persistente de Hb
Fetal após o período neonatal, com ausência
de anormalidades hematológicas importantes. É incluída
no capítulo das talassemias beta devido ao fato de o gene
beta estar parcial ou totalmente bloqueado para a síntese
de globina beta. Entretanto, na PHHF essa ação deletérea
é compensada pela contínua síntese de Hb
Fetal.
A classificação da PHHF pode ser
resumida em dois grupos básicos: 1) o tipo Negro, e 2)
o tipo Grego, que são formas mais freqüentes com distribuição
homogênea de Hb Fetal intra-eritrocitária, e o tipo
raro em que a persistência da Hb Fetal apresenta-se com
distribuição heterogênea.
A associação entre PHHF e hemoglobinas
variantes tem sido descrita notadamente em portadores de Hb S
(Hb SF) e Hb C (Hb CF).
Nos portadores de PHHF/Hb S a falcização
não ocorre facilmente, pois a Hb Fetal exerce em cada célula,
uma ação protetiva contra a desoxigenação.
Clinicamente os portadores dessa interação possuem
eritrócitos com características falcizantes diferentes
entre si (fato inverso ao que ocorre na anemia falciforme) e,
dessa forma, os pacientes não têm infartos recorrentes
e se tornam clinicamente parecidos com os portadores de Hb AS.
A associação entre PHHF e talassemia
beta heterozigota provoca alta concentração de Hb
Fetal associada com microcitose devido à talassemia. Nesse
caso, o diagnóstico laboratorial torna-se difícil
e confuso, por apresentar algumas características da talassemia
beta homozigota. Entretanto, a condição clínica
moderada, juntamente com o estudo familiar, auxilia na diferenciação
entre essa forma de interação e a talassemia beta
homozigota.
Biologia Molecular
As talassemias beta constituem um grupo de
alterações genéticas da síntese de
hemoglobina extremamente diverso e que resulta na diminuição
da globina beta. Clinicamente há grande variabilidade com
relação a sintomas e manifestações,
e essas condições são resultantes de fatores
genéticos e adquiridos. A variabilidade clínica
e hematológica sugere heterogeneidade genética,
que é confirmada atualmente pela grande gama de mutações
e alterações gênicas que originam as talassemias
beta e cuja classificação pode ser realizada por
análise de DNA. O complexo gênico das cadeias do
tipo beta compreende uma extensão de aproximadamente 50Kb,
incluindo os cinco genes funcionais e o pseudogene, e estão
arranjados na seqüência 5’-3’, na mesma
ordem em que são ativadas durante as fases do desenvolvimento
humano (ver figura 3.5 do capítulo 3 ‘Hemoglobinopatias”
– Síntese Genética, deste site).
Mais de cem pontos de mutação
causando talassemia beta foram bem caracterizados, resultando
num déficit de cadeias beta que varia de mínima
(alelo beta mais) à ausência completa (alelo beta
zero). Heterozigotos, incluindo os portadores de alelos beta mais
e beta zero, são clinicamente assintomáticos, ao
passo que os homozigotos ou portadores de componentes heterozigotos
associados apresentam sintomas evidentes, acompanhados de quadros
hematológicos muito alterados e são dependentes
de transfusão. Variações de ordens clínica
e hematológica são observadas, conforme a origem
racial do portador.
Grande parte das talassemias beta é determinada
por mutações que afetam um pequeno número
de pares de bases e interferem na transcrição, processamento,
transporte, estabilidade e tradução do RNAm, ocorrendo
também casos de variantes de cadeias polipeptídicas,
dentre as quais podemos citar:
A) Mutações que afetam a transcrição
– concentram-se na substituição de nucleotídeos
no “TATA box” e nas seqüências CACACC distal
e proximal, todos n região promotora 5’ do gene beta.
Estão geralmente associadas a fenótipos moderados
com início de transcrição reduzido. Variações
étnicas dos fenótipos são observadas, sendo
provavelmente influenciadas pela presença ou ausência
de um nucleotídeo na região promotora. Amplificação
gênica por PCR pode ser útil não só
para o diagnóstico das talassemias, mas também para
estudos de expressão gênica em nível transcricional,
pois fornece taxas de RNAm específico 10 vezes maior do
que o normal.
B) Mutantes que alteram o RNAm – as mutações
que afetam a estabilidade do RNAm podem estar tanto em alterações
no capuz da extremidade 5’, como na região de clivagem
do RNAm e no sinal de poliadenilação AATAA da extremidade
3’. As mudanças no capuz que alteram o primeiro resíduo,
afetam a função do RNAm reduzindo a transcrição
e retardando o processo de formação do capuz, alterado
dessa forma a estabilidade do RNAm. Do mesmo modo, mutações
na extremidade 3’, reduzem acentuadamente a clivagem do
RNAm, produzindo moléculas mais longas e instáveis.
Metodologias para determinação das taxas de RNAm
fornecem novas e simplificadas formas de diagnóstico para
as síndromes talassêmicas e avaliação
da expresso gênica em nível transcricional.
C) Mutações que afetam a tradução
– a talassemia beta pode ser também originada por
mutações sem sentido, que formam códons de
terminalização na região codificadora interrompendo
a tradução, e por mutações de sentido
errôneo, originando códons para aminoácidos
alternativos, como por exemplo, as Hb beta-Indianápolis
e beta-Showa-Yakishyi, com alterações nos aminoácidos
112 e 110, respectivamente. Essas cadeias são degradadas
logo após sua síntese, devido à sua grande
instabilidade, acarretando um estado muito similar ao produzido
por redução de cadeias beta. Sete, dos 91 alelos,
afetam a tradução do RNAm da globina, sendo tanto
em relação às seqüências sem sentido,
que determinam a tradução, como em inserções,
deleções e mutações “de novo”.
D) Deleções produzindo talassemia
beta – um grande número de deleções
afetando o gene beta da globina tem sido observado; muitas envolvendo
os genes delta e beta simultaneamente, com alguns casos de PHHF
e talassemia delta-beta. A deleção mais comum remove
619 pares de bases do íntron 2, do éxon 3 e da seqüência
3, do gene beta. Outras possuem particular interesse, porque deixam
o gene beta intacto com expressão silenciosa, mas são
formas muito raras de serem identificadas.
Análise da Talassemia Beta por técnicas
moleculares do DNA
Vários têm sido os métodos
utilizados o diagnóstico das hemoglobinopatias pela análise
do DNA, quer seja para a caracterização da mutação
presente quer seja para o diagnóstico pré-natal.
O diagnóstico pré-natal das talassemias
do tipo beta, alguns anos atrás, era possível através
da amostra de sangue fetal colhida in útero, ou
de células do líquido amniótico, sendo que
este método apresentava alguns sérios inconvenientes,
ou seja:
- A coleta era realizada somente a partir da
17ª semana da amenorréia, o que resultava, quando
aconselhada, a interrupção da gravidez numa fase
delicada e psicologicamente danosa para a mãe.
- A coleta e sua análise não poderiam
ser realizadas, a não ser em grandes centros especializados
pois, com efeito, o diagnóstico pré-natal das talassemias
do tipo beta repousava sobre a evidência de uma variação,
quantitativa da síntese da cadeia beta globina.Isso exigia
uma amostragem de pureza absoluta e análise do sangue fetal
por eletroforese de focalização isoelétrica
das hemoglobinas, além do estudo dos reticulócitos
fetais para sintetizar in vitro, na presença de
leucina triciada, cadeias de hemoglobinas.
A partir de 1982, foi possível realizar
este diagnóstico pela análise do DNA de material
trofoblástico colhidos entre a oitava e a 12ª semana
da amenorréia, o que permitia, quando necessário,
a interrupção da gravidez num estado precoce. Uma
simples eletroforese desse material permitia reconhecer os casais
de risco, mas, infelizmente, esse tipo de análise não
informava com precisão a natureza do defeito molecular
responsável pela doença, sendo que a maioria das
mutações beta talassêmicas permaneceu por
muito tempo inacessível por um diagnóstico direto,
pois a utilização de oligonucleotídeos era
possível unicamente em raros centros de estudo piloto.
Por outro lado, as lesões moleculares que alteravam um
sítio de restrição ou as grandes deleções
facilmente detectáveis não eram comuns. Todavia,
os genes beta talassêmicos podiam ser indiretamente evidenciados
pela análise das ligações genéticas
através dos marcadores RFLPs (polimorfismo dos diferentes
fragmentos de DNA obtidos através de restrição
enzimática) da região que contém os genes
da globina da família beta. Mas, essa técnica dificulta
o diagnóstico, pois ela impõe um completo estudo
familiar algumas vezes impossível. Além disso, a
necessidade de testar um grande número de enzimas de restrição,
de utilizar diferentes e diversas sondas, com o propósito
de evidenciar os RFLPs informativos, desestimulou consideravelmente
este tipo de análise.
Assim, outros tipos de análises foram
sendo testados com o intuito de se determinar a distribuição
das mutações nos diferentes grupos étnicos.
Isso permitiu, com o tempo, a aplicação de uma estratégia
para o diagnóstico que evidenciasse a mutação
em questão, sendo que as principais conclusões desses
estudos foi o desenvolvimento e a introdução de
uma metodologia muito promissora, a PCR (“polymerase chain
reaction”), que consiste na amplificação seletiva
de um fragmento de DNA, permitindo obter-se uma multiplicação
exponencial de uma seqüência do DNA escolhida no meio
da qual se encontra a mutação. O princípio
do método consiste em utilizar dois oligonucleotídeos,
construídos artificialmente, e que sejam complementares
às extremidades escolhidas de uma determinada região
onde ocorre a mutação, ou com seqüência
normal; e uma polimerase, a Taq polimerase. Após a amplificação,
a mutação pode ser caracterizada por uma das técnicas
atualmente em uso e na dependência das condições
laboratoriais de cada centro de pesquisa. A ampliação
permite igualmente determinar diretamente a seqüência
do DNA amplificado e o sítio de uma mutação.
Através destes estudos chegou-se às seguintes conclusões:
1. Foram catalogadas, até o momento,
mais de 100 diferentes mutações do gene beta globina,
sendo a grande maioria representada por mutações
pontuais.
2. Existe, próprio de cada grupo étnico,
um pequeno número de alelos específicos responsáveis
por aproximadamente 90% das mutsações talassêmicas,
ou seja:
a) nas populações da região
mediterrânea: códon sem sentido 39 (C ®
T) IVSI nt 110 (G ® A),
IVSI nt 6 (T ® C), IVSI
nt 1 (G ® A) e IVSII nt
745 (C ® G). Dois destes
defeitos moleculares são responsáveis por perto
de 60% dentre estas mutações, a b0
e a b+ 110 que presominam
respectivamente a leste e a oeste da bacia do Mediterrâneo;
b) nas populações da Índia
e do Paquistão: IVSI nt 5 (G ®
G), deleção de 619 pares de bases, “frameshift”
8-9, IVSI nt 1 (G ® T)
e “grameshift” 41-42;
c) nas populações chinesas e do
sudeste da Ásia: “grameshift” 41-42, IVSI nt
654 (C ® T), códon
sem sentido 17 (A ® T)
e -28 (A ® G);
d) entre os negros americanos: -29 (A ®
G), -88 (G ® T) e códon
24 (T ® A).
3. O Norte da África (Argélia
e Tunísia) constitui um caso particular, pois os cinco
defeitos moleculares mais freqüentes no Mediterrâneo
representam menos do que 50% das mutações. Além
do mais, existe uma grande heterogeneidade molecular e várias
mutações foram caracterizadas neste grupo étnico
(IVSI nt 1 G ® C, IVSI
nt T ® G, IVSI nt 2 T
® C, IVSI nt 5 G ®
A e IVSI nt 843 C ® A).
Desse modo, num primeiro plano, as mutações
a pesquisar são funções da etnia do paciente
e da natureza da talassemia, seja b0
ou seja b+. Esta pesquisa,
atualmente, é realizada após amplificação
do gene beta; seja por digestão do produto da amplificação
com determinadas enzimas de restrição; seja por
hibridização com oligonucleotídeo alelo específico
(ASO ou Dot Blot). Todavia, estas técnicas não são
totalmente satisfatórias, pois a origem étnica dos
pacientes, principalmente no Brasil, é muito variada, sendo
necessário dispor de um grande número de oligonucleotídeos
alelo específicos o que para alguns laboratórios
é muito difícil devido aos altos custos. Este fator
torna-se trabalhoso quando não se conhecem as mutações
da etnia que se está analisando.
A seqüência direta do produto amplificado
pode ser uma boa alternativa, mas este método é
de realização delicada e por conseqüência
não é atualmente aplicável à rotina
de um grande número de amostra.
Torna-se portanto indispensável um método
simples, rápido, preferencialmente que não utilize
material radioativo para a sua identificação e adaptável
ao caráter de urgência que caracteriza o diagnóstico
pré-natal. Uma metodologia que promete se tornar de grande
valia, no que se refere a estes aspectos, é a análise
por eletroforese em gradientes de desnaturação (DGGE)
do produto de amplificação do gene beta globina
e que permite colocar em evidência a maioria das mutações
beta talassêmicas, sem prejulgar a sua natureza e a sua
posição, mas podendo ser comparada aos perfis de
mutações conhecidas.
Análise das mutações do gene beta
por DGGE
Numa primeira etapa escolhe-se o segmento de
DNA a analisar, como por exemplo, através de um programa
informatizado de algoritmos que permite conhecer a carta de fusão
do fragmento de DNA que corresponde à totalidade do gene
beta globina desde a região do promotor até o sinal
de poliadenilação. A partir desta carta de fusão,
é possível definir a posição e a seqüência
de dois “primers” complementares (oligonucleotídeos
construídos artificialmente) e que serão colocados
para amplificardas partes escolhidas do gene beta globina. Esta
amplificação com ajuda dos “primers”
deve preencher três critérios de seleção:
1. Seu tamanho deve estar compreendido entre
500 e 1.000 pares de bases, sendo melhor analisar 500 ou menos
pares de bases, pois a qualidade da resolução da
eletroforese diminui quando fragmentos maiores são analisados.
2. Cada um deles deve conter, ao menos, dois
domínios de fusão de estabilidade diferentes, permitindo
que a posição final do gel destes diferentes fragmentos
dependa exclusivamente da temperatura de fusão do domínio
menos estável.
3. Cada parte do gene beta globina a pesquisar
corresponde ao menos uma vez ao domínio estável
do fragmento dado, sendo que isto permite analisar a totalidade
do gene beta, e colocar em evidência a maioria das mutações
responsáveis pelas talassemias do tipo beta.
Os “primers” que apresentam um só
domínio de fusão e, portanto, se desnaturando em
bloco numa determinada concentração de desnaturante,
não permitem evidenciar as modificações do
comportamento fusional ligado às variações
das seqüências nucleotídicas, podem ser acrescidos
de seqüências ricas em G e C (“GC-clamps”)
adicionadas em 5’ de um dos “primers”, criando
artificialmente um domínio de alta estabilidade não-desnaturável
nas condições da eletroforese, resultando com isso
que cada um desses fragmentos possua, agora, dois domínios
de fusão de estabilidades diferentes.
Desse modo, pode-se ter vários fragmentos
e utiliza-los de acordo com uma estratégia específica
para a pesquisa das mutações mais freqüentes
encontradas na dependência de etnia que se queira analisar.
Calcula-se que o DNA apresenta, em média,
um polimorfismo para cada 500 pares de bases, sendo que estes
polimorfismos, algumas vezes, transformam-se em excelentes marcadores
para análises genéticas. Centenas deles foram mapeadas,
em intervalos mais ou menos regulares, no genoma humano.
No gene beta globina, em especial, foram mapeadas
cinco posições específicas definindo quatro
seqüências diferentes de nucleotídeos consideradas
normais e que foram denominadas de “frameworks”, ou
conformação, ou estruturas, 1, 2, 3 e 3a, estas
posições compreendem o último nucleotídeo
do códon 2 e os nucleotídeos 16, 74, 81 e 666 do
íntron II.
Os “frameworks” 1 e 2 diferem por
um nucleotídeo na posição 74 do IVSII, sendo
isso observado em todas as populações analisadas
até o momento.
O “framework”
3 pode ser considerado como específico de populações
mediterrâneas, sendo que possui cinco diferentes nucleotídeos
com relação ao “framework” 1. Por sua
vez, o “framework” 3a pode também ser observado
em todas as populações, com exceção
da população mediterrânea, sendo que difere
em quatro posições em relação ao “framework”
1, e em apenas uma posição em relação
ao “framework” 3.
Diagnóstico laboratorial das talassemias beta
Diferentemente do doente com talassemia beta homozigota (ou maior),
que padece de anemia grave e outras situações clínicas,
o portador da talassemia beta heterozigota (ou menor) é
quase sempre assintomático e fisiologicamente adaptado
a essa situação. Assim, se há alguma dificuldade
em se estabelecer o diagnóstico laboratorial com segurança,
certamente esta situação ocorre entre os heterozigotos.
As características hematológicas
dos portadores são idênticas nas diversas variedades
de talassemia menor, sendo todos dependentes da redução
da síntese de hemoglobina. De forma geral, algumas características
são comuns a 90% dos talassêmicos heterozigotos:
- concentração de hemoglobina
discretamente inferior ao valor normal para a correspondente faixa
etária e sexo;
- aumento (compensatório) do número
de eritrócitos, geralmente acima de 5,0 x 106/mn’,
que não corresponde ao volume eritrocitário (hematócrito),
pois o empacotamento é composto por eritrócitos
microcíticos e hipocrômicos;
- redução do volume corpuscular
médio (VCM) pela não-correspondência entre
os valores eritrocitários altos para hematócritos
diminuídos; e redução da hemoglobina corpuscular
média (HCM) pela escassa hemoglobinização;
- aumento da resistência globular osmótica,
em solução de NaCl a 0,36%, devido à reduzida
hemoglobinização e à leptocitose dos eritrócitos;
- alterações morfológicas
dos eritrócitos, caracterizados principalmente por microcitose,
hipocromia, esquizócitos, dacriócitos, leptócitos
e pontilhados basófilos.
Portanto, para identificar a talassemia beta
heterozigota há necessidade de análises específicas
que distinguimos em três níveis (tabela 7.5).
|
Tabela 7.5:
Análises laboratoriais para o diagnóstico das talassemias
heterozigotas. |
Primeiro nível |
- índice eritrocitário
(eritrócitos, Hb, VG, HCM, VCM, CHCM)
- resistência osmótica eritrocitária em
solução de NaCl a 0,36%
- morfologia eritrocitária
- análises qualitativas e quantitativas da Hb A2
e Hb Fetal
- dosagem de ferro sérico ou ferritina
- análise dos familiares |
Segundo nível |
- análise de hemoglobinas
por técnicas específicas, conforme cada caso |
Terceiro nível |
- análise de DNA do fragmento
do gene pretendido para estudo |
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Primeiro Nível
Índices eritrocitários:
atualmente são determinados quase exclusivamente com contadores
automáticos de células do sangue.
Resistência globular osmótica
eritrocitária: é um teste seletivo, realizado
pela mistura de 5ml de sangue com 1ml
de NaCl a 0,36%, e analisado qualitativamente. Os eritrócitos
de 93% dos talassêmicos beta heterozigotos, pelas suas deformidades
morfológicas, são resistentes à hemólise.
Morfologia eritrocitária:
é um teste importante, que pode ser analisado em esfregaços
não-corados, porém bastante finos. A morfologia eritrocitária
dos talassêmicos beta heterozigotos é muito peculiar
na maioria dos casos, com visível presença de microcitose
e hipocromia.
Análises das hemoglobinas:
são partes indispensáveis das análises do primeiro
nível, pois permitem discriminar a maior parte das talassemias
heterozigotas. Consiste essencialmente no estudo eletroforético
das hemoglobinas e dosagens das hemoglobinas A2 e Fetal.
Para a dosagem de Hb A2 sugere-se dois métodos:
1. fracionamento eletroforético das hemoglobinas A e A2,
seguida de eluição em água destilada, e leitura
espectrofotométrica; ou 2. fracionamento cromatográfico,
também com eluição das frações
de Hb A e Hb A2, e leitura espectrofotométrica.
Os dois métodos são muito sensíveis e sua praticidade
depende da opção do laboratório. A dosagem
de Hb Fetal pode ser realizada pelo método da resistência
alcalina (técnica de Betke), que permite a detecção
desde traços de Hb Fetal até concentrações
moderadamente altas (± 20%).
Ferro sérico: é
uma análise importante, especialmente para diferenciar a
anemia ferropriva da talassemia beta heterozigota. Destaca-se que
a presença da associação entre talassemia menor
e a anemia ferropriva influi na dosagem de Hb A2, diminuindo
sua concentração (fig. 7.24).
Análise dos familiares:
é um complemento útil no diagnóstico laboratorial
das talassemias (menor e maior), em especial para os casos duvidosos.
A figura 7.25 resume esquematicamente os testes
básicos para o diagnóstico laboratorial das talassemias
beta heterozigotas. |
Figura 7.24: Gráfico relacionado a influência
da anemia ferropriva na dosagem de Hb A2, tendo como exemplo
um caso com talassemia beta menor e outro sem talassemia.
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Figura 7.25: Sinopse em forma de esquema dos testes
seletivos e específicos para talassemia.
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Segundo Nível
Análise de hemoglobina com técnicas
específicas: a aplicação da técnica
de eletroforese por isoeletrofocalização ocorre em
casos muito específicos, com o objetivo de separar hemoglobinas
variantes com fenótipos talassêmicos. O melhor exemplo
da aplicação dessa técnica se refere à
Hb Knossos, uma hemoglobina estruturalmente anormal, que ao se associar
à talassemia beta heterozigota provoca a redução
na síntese de RNAm para a globina beta. Essa hemoglobina
variante não se evidencia por meio de técnicas comuns
de eletroforese, necessitando da isoeletrofocalização.
Entre as técnicas específicas incluem pesquisa de
corpos de Heinz e raramente síntese de globina.
Terceiro Nível
Análise do DNA: o estudo
do DNA é realizado por tecnologia molecular e tem sido aplicado
no diagnóstico de talassemias que apresentam dificuldade
de identificação pelas técnicas descritas nos
primeiro e segundo níveis. É usada com muita frequência,
também para estabelecer os pontos de mutações
que ocorrem no complexo gênico beta, permitindo, dessa forma,
a diferenciação molecular de diversos genótipos
de talassemia beta.
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