Talassemia Alfa
Autores:bbbbb Paulo Cesar Naoum
Flávio Augusto Naoum
Alia F. Maluf Naoum
|
|
Clique aqui para assistir ao photo-motion Talassemia alfa |
|
|
Introdução
Em 1955, foi descrita pela primeira vez nos Estados
Unidos e na Grécia uma nova hemoglobina rápida que
denominaram de Hb H, com características instáveis,
formando corpúsculos de inclusões nos eritrócitos
e visualizados quando submetida à incubação
com corantes vitais. Esses achados estavam associados às
alterações morfológicas dos eritrócitos,
desde que afastadas as possibilidades de que a anemia microcítica
e hipocrômica fosse devido à deficiência de ferro.
A identificação de que a Hb H era composta por tetrâmeros
de globinas beta, realizada por técnicas de hibridização
e por análises bioquímicas, sugeriu que se tratava
de uma doença causada por defeito nos genes alfa. A Hb H
tem afinidade ao oxigênio 10 vezes maior do que a Hb A, ausência
de efeito Bohr e liga-se ao cromo mais rapidamente do que a Hb A.
Os portadores dessa alteração molecular, denominada
doença de Hb H, apresentavam anemia significativa,
hipocromia, microcitose e poiquilocitose, diminuição
da fragilidade osmótica, reticulocitose e presença
de Hb H nos eritrócitos e em eletroforese.
Em 1965, foi introduzida a técnica de avaliação
da síntese de globina alfa e beta, por meio da utilização
de reticulócitos incubados com leucina marcada radioativamente.
A medida da quantidade de síntese de globina era avaliada
pela relação alfa/beta, cujo valor médio se
situa em torno de 1,0. Ao analisarem os casos classificados como
talassêmicos alfa, os pesquisadores observaram que a relação
alfa/beta era menor do que 1,0 e concluíram, por isso, que
na talassemia alfa ocorria um decréscimo na síntese
de globina alfa.
Em 1974, o Professor Lehmann da Universidade de
Cambridge, considerado um dos mais conceituados pesquisadores em
hemoglobinopatias, obteve com uma simples observação
a resposta sobre o número de genes alfa presentes numa pessoa.
Relacionando os casos de hemoglobinas variantes com alterações
por trocas de aminoácidos na globina alfa, verificou que
todas as Hb variantes de globina alfa apresentavam concentrações
inferiores a 25%, quando associadas com a Hb A. Esse fato levou-o
a concluir que cada pessoa possui quatro genes alfa, sendo dois
genes em cada um dos cromossomos 16 onde cada um sintetiza cerca
de 25% da globina alfa. Em 1978, com utilização de
métodos de biologia molecular, ficou comprovada a hipótese
do Professor Lehmann.
Na década de 80, os estudos moleculares
realizados com os genes de globina alfa revelaram que vários
defeitos genéticos podem provocar a talassemia alfa, e que
dependendo da extensão da lesão do gene, a síntese
de globina alfa apresenta diferentes intensidades de decréscimos,
incluindo a ausência total de síntese. Como resultado
desse desequilíbrio entre as sínteses de globina alfa
e beta, a globina beta continua sendo sintetizada normalmente e,
por isso, a “sobra” de globinas beta livres se juntam
para formarem tetrâmeros de globinas b
4, resultando a Hb H. Quanto maior a queda de síntese
de globina alfa, maior será também a concentração
de Hb H. Nos recém-nascidos, a diminuição da
síntese de globina alfa afeta sua relação com
a globina gama normalmente sintetizada. Assim, formam-se tetrâmeros
de globina g 4, resultando
na Hb Bart’s.
É importante destacar que as talassemias
alfa podem ter duas causas de origem: hereditária e adquirida.
Evidentemente as formas hereditárias são as mais comuns
e atingem, pelo menos, 20% da população brasileira
dos quais 17% são assintomáticos e com valores hematimétricos
(Hb, Ht, VCM e HCM) normais; 3% tem discretos graus de anemia microcítica
e hipocrômica, e 1:5.000 pessoas é portadora da doença
de Hb H). As formas adquiridas são secundárias a um
processo patológico primário, por exemplo: doenças
linfo e mieloproliferativas, anemia sideroblástica, entre
outras.
Classificação
As talassemias alfa são diferenciadas
e classificadas de acordo com o número de genes alfa lesados,
com a importante observação de que o grau de lesão
pode ser variável, afetando o gene parcial ou totalmente.
De uma forma geral, representa-se uma pessoa sem talassemia alfa
com seus quatro genes alfa funcionantes (a
,a /a ,a
), sendo dois genes alfa de um cromossomo 16 e dois do outro cromossomo
16, provenientes um do pai e outro da mãe.
A lesão que acomete o gene alfa é
denominada por deleção, que tem o significado científico
de destruído ou eliminado. Assim, as talassemias alfa se
devem à deleção de um gene alfa (-,a/a,a),
deleção de dois genes alfa (-,-/a
,a ) ou (-,a
/-,a ), de três (-,-/-,a
) e de quatro (-,-/-,-). Essas deleções podem atingir
parte do gene alfa, diminuindo a sua síntese de globina
alfa, e é por isso representado por a
+. Quando, a deleção atinge integralmente
o gene alfa, bloqueando totalmente a síntese de globina
alfa, representa-se por a 0.
Portanto, ao representarmos a lesão do gene alfa pelo sinal
(-), é compreensível que análises de biologia
molecular poderão nos dar a indicação do
grau de lesão (a +
ou a 0). Entretanto, por
praticidade, a classificação das talassemias alfa
será abordada com a representação genérica
da lesão (-). Os esquemas abaixo representam as lesões
do gene alfa bem como suas conseqüências laboratoriais:
|
Esquema
1 - Tipos de lesões que causam talassemia alfa.
|
|
 |
Esquema
2 - Representação da lesão do gene alfa
no cromossomo 16 e suas conseqüências. |

|
 |
As talassemias alfa pela sua diversidade de manifestações
clínicas e laboratoriais são também conhecidas
por síndromes alfa talassêmicas. Essas variabilidades
podem ocorrer dentro de cada grupo étnico, dependendo da
especificidade de mutações e de como se expressam.
De uma forma geral, as síndromes alfa talassêmicas
são classificadas em: portador “silencioso”
(ou talassemia alfa mínima), traço alfa talassêmico
(ou talassemia alfa menor), doença de Hb H (ou talassemia
alfa intermédia) e hidropsia fetal.
Portador “silencioso”
– é o tipo mais comum entre as talassemias alfa e se
deve à deleção de apenas um gene alfa (-,
a /a ,a
). O portador desse tipo de talassemia é assintomático,
e embora o volume corpuscular médio (VCM) se apresente como
discretamente microcítico (VCM < 80), a morfologia eritrocitária
é geralmente normal com microcitose em algumas células.
A análise eletroforética de hemoglobina hemolisada
com saponina a 1% pode revelar traços de Hb H que representam
concentrações inferiores a 1%. Da mesma forma, se
a análise for efetuada em sangue de cordão umbilical,
ou recém-nascidos, a concentração de Hb Bart’s
(g 4) situa-se entre 1 e 2%.
A pesquisa intra-eritrocitária de Hb H, após 30-60
minutos de incubação do sangue com azul de cresil
brilhante a 37°C, pode revelar uma célula positiva para
cada 1.000 ou 2.000 pesquisadas. Entretanto, nem sempre que aparece
o traço de Hb H na eletroforese, a pesquisa intra-eritrocitária
de Hb H resulta positiva. O diagnóstico laboratorial do portador
silencioso de talassemia alfa requer uma série de informações:
discreta microcitose, com valores de Hb (g/dL) próximo do
limite inferior da normalidade, não-responsiva ao tratamento
com ferro, história familiar, e identificação
da Hb H em pelo menos um dos testes: eletroforese ou pesquisa citológica.
A prevalência média do portador silencioso para talassemia
alfa é próximo de 17% na população brasileira.
Traço alfa talassêmico
– se deve à deleção de dois genes alfa
(-,-/a ,a
) ou (-,a /-,a
). Os portadores, apesar de serem normais sob o ponto de vista clínico,
reclamam de fraqueza, cansaço, dores nas pernas e palidez.
Apresentam microcitose com alterações da morfologia
eritrocitária e discreto grau de anemia (Hb: 11 a 13g/dL,
VCM e HCM diminuídos). A análise eletroforética
da hemoglobina hemolisada com saponina a 1% mostra a presença
de Hb H com concentrações próximas de 2% (fig.7.1).
|
Figura 7.1 - Eletroforese de hemoglobinas em
acetato de celulose pH 8,6. (1) portador de Hb AC; (2) portador de
traço alfa talassêmico. |
 |
A pesquisa
intra-eritrocitária de Hb H, após 30-60 minutos de incubação
a 37°C com azul de cresil brilhante, permite a visualização
de uma célula positiva para cada 250 a 500 pesquisadas (fig.7.2). |
Figura 7.2 - Precipitados intra-eritrocitários
de Hb H em sangue de portador do traço alfa talassêmico,
incubado a 37°C com azul de cresil brilhante por 60 minutos.
|
 |
Da
mesma forma que o caso anterior, a história clínica
do paciente e o estudo familiar são fundamentais para se
chegar ao diagnóstico do traço alfa talassêmico.
Sua prevalência na nossa população é
próxima dos 3%. A detecção do traço
alfa talassêmico é mais sensível de se realizar
em sangue de cordão umbilical ou em recém-nascidos
com um mês de idade, pois a Hb Bart’s apresenta-se com
concentrações variáveis entre 5 e 10%.
Doença de Hb H –
é causada pela deleção de três genes
alfa (-,-/-,a ) . Essa patologia se expressa
com uma forma moderadamente grave de talassemia, caracterizada por
anemia microcítica e hipocrômica, hemoglobina total
variável entre 8 e 11g/dL, aumento do baço e do fígado,
e em alguns casos observa-se deformidades similares às que
ocorrem na talassemia beta intermédia. A hemoglobina H separada
por eletroforese alcalina, em sangue hemolisado com saponina a 1%,
apresenta-se bem visível, pois sua concentração
atinge até 20% (figura 7.3). A Hb H intra-eritrocitária
é facilmente identificada pela sua presença em vários
eritrócitos em um mesmo campo microscópico (figura
7.4). Em recém-nascidos, a Hb Bart’s apresenta-se com
concentrações entre 20 e 30%. A doença de Hb
H é rara no Brasil, apesar de vários relatos científicos
provenientes de diferentes regiões do país. |
Figura 73. - Eletroforese de hemoglobinas em
gel de agarose alcalina. O caso nº 4 é específico
de doença de Hb H, com concentrações de 20% desta
hemoglobina, 79% de Hb A e 1% de Hb A2. Os outros casos
são: 1: Hb SS; 2: Hb SC; 3: Hb A + Hb Instável Koln;
5 e 6: Hb CC.
|
 |
Figura 7.4 - Precipitados intraeritrocitários
de Hb H na doença de Hb H.
|
 |
Hidropsia Fetal – é
a forma mais grave de todos os tipos de talassemias (alfa e beta),
pois é uma forma letal. É uma situação
comum no Extremo Asiático, sendo, entretanto, esporádica
no Brasil. As crianças recém-nascidas afetadas pela
deleção dos quatro genes alfa (-,-/-,-) apresentam
anemia muito grave, com hemoglobina inferior a 7g/dL, eritroblastose
fetal, edema, grande aumento do baço e do fígado,
e morte com poucas horas após o nascimento.
Eletroforeticamente, a concentração
de Hb Bart’s, está entre 80 e 100%, e a
Hb H entre 10 e 20%.
A tabela 7.1 e a figura 7.5 apresentam um resumo
dessas quatro condições básicas de talassemia
alfa.
|
Tabela 6.17
– Diferenciação dos principais genótipos
de Hb S relacionados aos valores de hemoglobina (Hb g/dl), volume
corpuscular médio (VCM), reticulócitos e Hb Fetal.
|
Tipo de
talassemia |
Deleção
do gene |
Alterações
hematológicas |
Alterações
Clínicas |
Alterações
laboratoriais |
Portador silencioso |
(-,a
/a ,a
) |
Discreta microcitose
ou normocitose
VCM: 75-80
HCM: 24-27 |
Nenhuma
Talassemia alfa mínima |
Traços
de Hb H na eletroforese P.I.E. de Hb H: 1/1.000 a 2.000 |
Traço talassêmico |
(-,-/a
,a )
ou
(-,a /-,a
) |
Microcitose
hipocromia anemia
(Hb: 11-13g/dL)
VCM: 65-75
HCM: 20-24 |
Geralmente assintomático
Talassemia
alfa menor |
Hb H: ~2%
P.I.E. de Hb H: 1/250 a 500 |
Doença de Hb H |
(-,-/-,a
) |
Microcitose
hipocromia anemia
(Hb: 8-11g/dL)
VCM: 55-65
HCM: 20-24 |
Talassemia alfa
intermédia |
Hb H: 10-20%
P.I.E. de Hb H: em todos os campos do microscópio |
Hidropsia fetal |
(-,-/-,-) |
Anisocitose
poiquilocitose eritroblastose anemia
(Hb: <7g/dL)
VCM: 100-110*
HCM: diminuído |
Morte neonatal
Talassemia alfa maior |
Hb Bart’s:
80-100%
Hb H: 10-20% |
P.I.E.: Pesquisa intra-eritrocitária.
*: Elevação do VCM devido a reticulocitose.
|
 |
Figura 7.5 - Representação esquemática
da fisiopatologia da talassemia alfa, relacionando o traço
alfa talassêmico, a doença de Hb H e a hidropsia fetal
com a diminuição de síntese da globina alfa.
|
 |
Finalmente é importante destacar que as
hemoglobinas H e Bart’s apresentam alta afinidade pelo oxigênio,
tornando sua liberação para as células e tecidos
muito lenta e dificultosa, e como resultado causa anoxia tecidual.
Esse processo é mais grave e proporcional ao número
de genes alfa afetados, conforme pode ser apreciado na figura 7.5
e tabela 7.1. Da mesma forma, os graus de hemólise e de anemia
também estão na dependência da quantidade de
Hb H precipitada nos eritrócitos.
Base molecular das Talassemias Alfa
O agrupamento de genes alfa está
localizado no braço curto do cromossomo 16, e contém
três genes ativos: o gene zeta da fase embrionária,
e os genes a1 e a2
(vide esquema abaixo). A seqüência de bases nitrogenadas
nos dois genes alfa é idêntica, podendo, entretanto,
ocorrer algumas diferenças em situações anormais,
por exemplo: o “crossing-over” desigual (fig. 7.6),
com resultados desproporcionais em relação ao número
de genes alfa por cromossomo 16. Atualmente se sabe que o gene a2
produz de duas a três vezes mais RNA mensageiro que o gene
a1, mas a mensagem do gene
a1 é traduzida com
maior rapidez e, por isso, a diferença de síntese
entre os genes a2 e a1
não é tão grande como se poderia esperar. A
figura 7.7 mostra que cada gene alfa está localizado dentro
de regiões de homologia, representadas pelas letras, X, Y
e Z, e que são interrompidas por duas regiões curtas
e não-homólogas, para cada espaço de 4,2Kb
(entre os genes ya1 e a2)
e 3,7Kb (entre os genes a2
e a1). É importante
destacar que no agrupamento de genes alfa, representado pela seguinte
proposição esquemática: |
5’...z2
- yz1 - yz2
- ya1 - a2
- a1 - q1
... 3’ |
|
Há
duas regiões hipervariáveis, uma localizada entre
o gene z2 e o yz1,
o outro após o gene q1. Por essa
razão ocorrem consideráveis variações
na estrutura do agrupamento de genes alfa em pessoas consideradas
normais para a expressão de síntese de globina alfa.
Assim, embora a maioria das pessoas tenha quatro genes alfa (a
, a /a ,a
), cerca de 2% da população mundial tem cinco genes
(a , a ,a
/a ,a ). |
OU 
Figura 7.6 – “Crossing-over” desigual
entre dois cromossomos 16. (1) inserção de três
genes alfa (a2,a2/a1,a1)
num dos cromossomos, e representado por aaaanti3,7.
No outro cromossomo, restou apenas um gene híbrido (a1,
a2), e representado por -a3,7.
(2) da mesma forma esse processo genético pode ocorrer sem
formação de genes alfa híbridos, e são
representados por aaaanti 4,2
e -a4,2.
|
 |
Figura 7.7 – Regiões homólogas
entre os espaços ya1
e a 2,
e entre os genes a 2
e a 1.
Essas regiões homólogas têm diferentes tamanhos
em números de bases nitrogenadas: 3,7Kb e 4,2Kb, e são
denominadas de X, Y e Z. Entre as regiões homólogas
X e Y, e entre Y e Z, localizadas no espaço de 4,2Kb, há
dois espaços que correspondem às regiões não-homólogas.
O raciocínio é o mesmo em relação às
regiões homólogas e não-homólogas localizadas
no espaço 3,7Kb. O tamanho das regiões homólogas
nos espaços 3,7 e 4,2 são iguais, enquanto os das regiões
não-homólogas são diferentes.
|
 |
As mutações mais comuns que afetam
as atividades de síntese de globina alfa podem ser por deleção
e não-deleção. As deleções ocorrem
particularmente por efeito de “crossing-over” desigual
devido ao desalinhamento entre os cromossomos 16 durante o processo
de meiose (fig. 7.6). O “crossing-over” entre as regiões
homólogas do tipo Z, geralmente envolve mudanças entre
os genes a1 e a2
deletando 3,7Kb de DNA, e deixando um simples gene a2,
ou um gene alfa híbrido a1
/ a2, num dos cromossomos.
Esse defeito é conhecido por deleção –a37.
No outro cromossomo com três genes alfa (aaa),
o portador não é afetado, pois não se demonstrou
até o presente nenhuma desvantagem seletiva, desde que associado
a combinações, com os genes do tipo beta normais (g,
d e bA).
O “crossing-over” entre as regiões X não
envolve genes, perdendo 4,2Kb, e por isso a mutação
é conhecida por deleção –a4,2.
O “crossing-over” envolvendo a região Y ainda
não foi identificado.
A nomenclatura das falhas de expressão
do gene alfa está especificamente relacionada com a quantidade
de produção de globina alfa. Denomina-se de talassemia
a0, quando determinado gene
alfa não sintetiza globina alfa, enquanto àqueles
com síntese apenas reduzida refere-se como talassemia a+.
Os haplótipos normais para globina alfa
são representados por aa, indicando
os genes a2 e a1,
respectivamente. O indivíduo com produção normal
de globina alfa tem seu genótipo representado por dois haplótipos
aa (a, a /a,
a ).
Quando ocorre deleção do gene alfa,
envolvendo um gene alfa (-a) ou os dois
genes alfa (- -) é possível conhecer a extensão
da lesão por estudos moleculares. A deleção
-a3,7 indica o desaparecimento
de 3,7Kb do complexo gênico. Quando o tamanho de uma deleção
não está bem estabelecido, usa-se identificá-la
pelo local de proveniência do portador, por exemplo: a representação
- -Med descreve uma deleção de ambos genes
alfa obtida de análise de material proveniente da região
do mar Mediterrâneo.
Talassemias a0
– até o presente 12 deleções foram descritas,
envolvendo os dois genes alfa (a2
e a1), conforme mostra figura
7.8. Análises detalhadas sugerem quebras na região
do agrupamento dos genes e pseudogenes do agrupamento alfa, similares
estruturalmente aos que ocorrem nas translocações
cromossômicas que originam algumas doenças malignas.
Esse contraste com os defeitos -a3,7
e -a4,2 que são deleções
comuns em diversas populações, os tipos a0
tem limitadas distribuições geográficas, e
cada uma representa uma forma rara e incomum ocorrida por algum
acidente genético.
|
Figura 7.8 – Sumário esquemático dos principais
tipos de deleções no agrupamento de genes alfa, cujos
resultados se manifestam pela perda de expressão dos genes
alfa. Por exemplo: a deleção aaRA
atinge a região hipervariável (HVR) e o gene z
2, a deleção - -MC atinge
todos os genes do agrupamento.
|
 |
Talassemias a+
– é o defeito molecular mais comum, envolvendo a deleção
de um dos genes alfa, conforme mostra a figura 7.1. O nível
de expressão do gene alfa que não foi afetado exerce
sua atividade de síntese que expressa diferentemente e proporcionalmente
ao número de genes alfa ativos. Destaca-se, entretanto, que
a avaliação mais precisa é efetuada pela medida
de produção do RNAm específico para o gene
alfa em ambos os cromossomo 16. São cinco deleções
que ocorrem na talassemia a+:
-a3,1, -a3,7111,
-a3,7111, -a4,2
e -a3,13,5, todas com capacidade
de reduzir a produção de globina alfa. As talassemias
a+ por processo de não-deleção
se deve, na maioria dos casos, a simples mutações
nas regiões de seqüência do gene alfa que são
muito importantes para a síntese de globina alfa. A maioria
das não-deleções afetam especialmente a expressão
de síntese do gene a2,
agindo em regiões invariantes das bases nitrogenadas, formadas
por guanina-timina, trocando-as por outra base, ou interferindo
no processo de translação do RNAm maduro. São,
portanto, mutações raras, restritas a determinadas
regiões geográficas. Muitas das mutações
de talassemias alfa por não-deleção ainda permanecem
obscuras, sem que tenham sido caracterizadas.
Talassemia Alfa Adquirida
As talassemias alfa adquiridas
são de causas não-genéticas, que geralmente
se expressam como se fossem doenças de Hb H. A maioria dos
casos descritos aponta a associação com doenças
hematológicas, entre as quais se destacam a eritroleucemia,
doenças linfo e mieloproliferativas crônicas e agudas,
e anemia sideroblástica. Todos os casos confirmados e descritos
na literatura científica apresentam pontos comuns: corpos
de Hb H intra-eritrocitários, concentrações
de Hb H por eletroforese variável entre 10 e 60% e redução
da síntese de globina alfa.
Um segundo tipo de talassemias alfa adquiridas
está associado ao retardo mental. Estudos familiares mostraram
resultados em que nenhum dos pais dos pacientes com este tipo de
associação eram portadores de genes para talassemia
alfa. Análises citogenéticas efetuadas nesses pacientes
não revelaram anormalidades importantes no cromossomo 16.
Admite-se, atualmente, que em casos cujo complexo gênico alfa
apresenta-se intacto, a expressão dos genes alfa pode ser
afetada por deleção dos seus genes vizinhos.
As talassemias alfa adquiridas têm sido
identificadas em nosso laboratório desde 1988. Inicialmente,
num estudo envolvendo 68 pacientes com doenças linfo e mieloproliferativas
observamos que 47% deles apresentavam associação com
o traço alfa talassêmico. Posteriormente estudando
outros dois grupos de doenças crônicas: Chagas e Diabetes
mellitus, observamos que os pacientes apresentavam também
a presença de Hb H, dentro do quadro típico de traço
alfa talassemia, com freqüência de 17,3 e 40,7%, respectivamente.
Interação da Talassemia Alfa com mutantes
estruturais de globina beta
Os principais mutantes de globina
beta: Hb S, Hb C e Hb E, podem ser significativamente afetados pela
coexistência da talassemia alfa. Observa-se nesses casos que
a concentração da hemoglobina variante, por exemplo,
a Hb S, quando em heterozigose (Hb AS/Tal. alfa – figura 7.9),
decresce proporcionalmente à quantidade de genes alfa afetados
(tabela 7.2). Esse mesmo processo ocorre na Hb C (Hb AC) e Hb E
(Hb AE). O efeito da talassemia alfa associada a essas hemoglobinas
variantes se deve ao fato das cadeias beta (bA)
estarem carregadas mais negativamente e, por isso, dimerizam-se
com maior eficiência do que aquelas carregadas mais positivamente
pela mutação sofrida: bS
(Glu- ® Val0),
Hb C (Glu-® Lis+)
e Hb E (Glu- ®
Lis+). Da mesma forma, essa variação que
ocorre na formação de dímeros (aA
bS) também difere em
relação ao tipo de mutação que originou
a talassemia alfa. Indivíduos homozigotos com deleção
a3,7 têm maior concentração
de Hb S (22%) do que aqueles com deleção -a4,2
(18%). A figura 7.10, mostra por eletroforese a interação
entre Hb SS e doença de Hb H, com visível caracterização
da Hb H fracionada difusamente por ser formada por tetrâmeros
b4S. Esses tetrâmeros
de globina bS são mais
instáveis do que os tetrâmeros bA,
cuja Hb H se apresenta mais compacta no fracionamento eletroforético
(ver figura 7.1). Sob o ponto de vista da fisiopatologia em pacientes
com Hb SS associada ao traço alfa talassêmico, os efeitos
são minimizados. |
Figura 7.9 – Eletroforese de hemoglobinas em gel
de agarose alcalina. Os casos 1, 2 e 3 pertencem a uma família
com Hb A2 variante (1: mãe; 2: pai; 3: filho). O
caso 4 é de um paciente com Hb AS associada a talassemia alfa
caracterizada pela presença de Hb H com concentração
de 8% (ASH).
|
 |
Figura 7.10 – Eletroforese de hemoglobinas em acetato de celulose,
tampão alcalino. O primeiro caso à esquerda é
de um paciente com anemia falciforme (Hb SS) associada à talassemia
alfa caracterizada pela presença de Hb H difusa (b4S
).
|
 |
Tabela 7.2
- Características hematológicas e laboratoriais da talassemia
alfa/Hb AS. |
Genótipo da globina alfa |
Hb
(g/dL) |
VCM
(fL) |
alfa/
beta |
Hb S
(%) |
a, a, a /a,
a |
13-15 |
80-90 |
--- |
40 |
-a, a /a,
a |
13-15 |
80-90 |
1,0 |
35-40 |
-a /a, a,
a |
13-15 |
80-90 |
--- |
35-40 |
-a /a, a |
13-14 |
75-85 |
0,85 |
30-45 |
-a /-a |
12-13 |
70-75 |
0,75 |
25-30 |
-, -/-a |
7-10 |
50-55 |
0,50 |
17-25 |
|
 |
Interação Talassemia Alfa/Talassemia Beta
Os efeitos fisiopatológicos
das talassemias se devem ao desequilíbrio verificado entre
as globinas alfa e beta. A interação entre talassemias
alfa e beta diminui o grau do desequilíbrio alfa/beta, modificando
inclusive os quadros clínicos e hematológicos. O número
de genes alfa afetados, associados à talassemia beta homozigota,
pode produzir efeito benéfico. Os homozigotos para talassemia
b 0 (b
0/b 0 tal.) que não
são dependentes de transfusões são frequentemente
diagnosticados como portadores também de talassemia alfa,
e seus quadros clínicos se assemelham aos da talassemia intermédia.
A associação entre talassemias alfa
e beta heterozigota se apresenta com o quadro típico de talassemia
mínima, com Hb A2 normal ou aumentada e presença
mínima de Hb H (~1%). Nesses casos os valores hematimétricos
são típicos de talassemia beta menor com VCM e HCM
discretamente diminuídos. |
|
|
|
|
|
|
|
 |
|
|
|
|
|
|
|
|