Autor: Flavio Augusto Naoum |
|
|
|
Quadro clínico da beta talassemia
Na beta talassemia, o principal fenômeno
responsável pelo desenvolvimento da anemia é a eritropoiese
ineficaz com hemólise intra-medular dos precursores eritróides.
Assim, nas apresentações mais leves da doença,
a eritropoiese ineficaz é de cerca de 25%, enquanto que nos
casos mais graves pode chegar até 90%. Isso justifica a discrepância
comumente observada entre o aumento relativamente modesto do número
de reticulócitos na vigência de quadros anêmicos
muito intensos associados à hiperplasia acentuada da medula
óssea.
A beta talassemia apresenta basicamente três
formas clínicas claramente distintas:
1) Talassemia menor ou minor (Traço talassêmico)
Essa é a apresentação observada
nos indivíduos heterozigotos para a mutação
da beta talassemia, que em geral não causa complicações
clínicas ou sintomas evidentes. No entanto, alguns indivíduos
podem apresentar sinais de cansaço ou fraqueza quando submetidos
a esforço prolongado ou atividade física. A ausência
de sintomas ou sua menor intensidade nesses pacientes se deve ao
fato de que a medula óssea consegue compensar a anemia causada
pela discreta diminuição da produção
de globinas beta nessa condição.
Assim, o diagnóstico da talassemia menor
é geralmente feito de forma acidental, a partir da investigação
de um hemograma alterado realizado por motivos variados (“check-up”,
exames ocupacionais, pré-operatórios, etc.) ou por
meio de investigação familiar. No hemograma desses
pacientes, os valores de hemoglobina estão geralmente normais
ou discretamente diminuídos, embora haja microcitose, hipocromia
e poiquilocitose evidentes no esfregaço sanguíneo.
Com raras exceções, não há
necessidade de tratamento específico para a talassemia menor.
No entanto, a confirmação diagnóstica é
muito importante, pois permite a orientação e o esclarecimento
do paciente, evitando assim investigações e tratamentos
desnecessários (como a suplementação equivocada
de ferro), além de possibilitar o aconselhamento genético
e eventual investigação familiar. |
Resumo clínico:
® Herança: heterozigoto ®
Valor basal da hemoglobina: ³9,5-10g/dL
® Sintomas: ausentes ou de leve
intensidade ® Transfusões:
não são necessárias |
|
2) Talassemia intermediária
Talassemia intermédia é o termo
utilizado para caracterizar indivíduos que apresentam quadro
clínico intermediário entre as formas leves (talassemia
menor) e graves (talassemia maior) da talassemia. Assim, nota-se
grande variabilidade de sintomas e complicações nesses
pacientes, desde quadros quase imperceptíveis até
situações complicadas próximas às observadas
na talassemia maior.
Quanto à base genética dessa doença,
observa-se na maioria dos casos homozigose para lesões parciais
do gene da beta globina, heterozigose composta entre mutações
da globina beta e outros defeitos nos genes alfa, delta ou gama,
ou heterozigose com cadeias beta hiper-instáveis (talassemia
dominante).
Em termos gerais, os pacientes portadores dessa
condição apresentam valores de hemoglobina entre 7
e 9g/dL, sensação de fraqueza e cansaço mais
freqüente e necessidade de transfusões intermitentes
(principalmente em caso de cirurgias e intensificação
da anemia por outros motivos).
O tratamento consiste de suplementação
com ácido fólico, monitorização cuidadosa
da intensidade da anemia e possíveis complicações
como a sobrecarga de ferro, osteopatia, déficit de crescimento,
entre outras. Na maioria dos casos não é recomendável
tratamento com transfusões regulares.
|
Resumo clínico:
® Herança: homozigoto ou heterozigoto
® Valor basal da hemoglobina:
7-9g/dL ® Sintomas: presentes
e de moderada intensidade ®
Transfusões: ocasionais |
|
3) Talassemia maior ou major
Trata-se da forma mais grave de beta talassemia.
Os pacientes com talassemia maior geralmente apresentam lesões
graves nos dois genes da globina beta, que podem resultar de herança
em heterozigotose composta para duas mutações diferentes
ou homozigose para a mesma mutação.
A gravidade da lesão genética repercute
no quadro clínico, causando anemia muito acentuada e fazendo
com que os indivíduos afetados dependam de transfusões
de sangue regulares para sobreviverem. Os primeiros sintomas costumam
surgir após o sexto mês de vida, quando a quantidade
de hemoglobina fetal diminui substancialmente e a síntese
de hemoglobina A1 não ocorre devido à falta de produção
de cadeias beta. Desse modo, é recomendável que as
crianças afetadas sejam acompanhadas desde os primeiros meses
de vida.
Repercussões da anemia crônica
Nos pacientes que não recebem tratamento
transfusional adequado, a anemia intensa e persistente desde a infância
pode acarretar complicações importantes como:
• Palidez de pele e mucosas, além
de icterícia.
• Retardo no crescimento.
• Estado hipermetabólico resultando
em massa muscular deficiente, redução da gordura corporal,
febre recorrente, falta de apetite e letargia.
• Cardiopatia decorrente da intensificação
do trabalho cardíaco para compensar o estado anêmico
crônico.
• Hepatoesplenomegalia (aumento do volume
do fígado e do baço) persistente (Figura 1). A esplenomegalia
progressiva pode precipitar os seguintes eventos: a) expansão
do volume plasmático devido ao desvio de sangue para dentro
do baço e da medula óssea hiperplasiada, causando
hemodiluição e piorando a anemia; b) redução
da sobrevida e seqüestro dos eritrócitos e também
de outras células do sangue (hiperesplenismo); c) aumento
da necessidade transfusional e, por conseqüência, da
sobrecarga de ferro.
• Hiperplasia de medula óssea acarretando
mal-formações e deformidades ósseas como, por
exemplo, o aumento do osso maxilar com exposição dos
dentes da arcada superior e a proeminência malar causando
o “achatamento” do nariz. Além disso, o aspecto
radiológico do crânio, ossos longos e mãos,
demonstra que a hiperplasia medular no interior dos ossos causa
também o achatamento da camada cortical dos mesmos, tornando-os
mais frágeis e susceptíveis a lesões e fraturas
(Figuras 2 e 3).
• Aumento da absorção de ferro
pelo trato gastro-intestinal, por meio de um mecanismo compensatório
equivocado deflagrado pela hiperplasia medular e pela anemia.
|
Figura 1: Aumento do volume abdominal causado
pela esplenomegalia em criança portadora de talassemia maior.
|
 |
Figura 2: Deformidade óssea facial (hipertrofia
do osso maxilar) em paciente com talassemia maior. |
 |
Figura 3: Adelgaçamento da cortical óssea
no crânio vista na macroscopia do osso (3A) e na radiografia
(aspecto de “terminações em cabelo”) (3B).
A figura 3C mostra desmineralização óssea (áreas
claras) vista na radiografia colorida da mão de paciente com
talassemia maior. |
 |
Repercussões da sobrecarga de ferro
A necessidade de transfusões de sangue
regulares desde a infância faz com que pacientes com talassemia
maior desenvolvam inevitavelmente um quadro de sobrecarga de ferro
no organismo que, juntamente com a anemia, torna-se também
um dos principais riscos à saúde desses indivíduos.
O ferro é um elemento importante que participa
de várias reações químicas dentro e
fora das células do organismo. A participação
do ferro no metabolismo do organismo é biologicamente protegida
pela ausência de via de excreção específica,
o que facilita o acúmulo deste elemento quando há
aumento de sua absorção ou introdução
por outras vias (p.ex. transfusão de sangue). O excesso de
ferro no organismo é prejudicial e potencialmente tóxico
para diversos órgãos, e merece a adoção
de medidas preventivas ou terapêuticas em pacientes de risco.
Em condições normais, a quantidade
de ferro presente no corpo humano gira em torno de 40 a 50mg por
Kg de peso, sendo que a maior parte deste elemento (30mg/Kg) está
incorporada à hemoglobina. Pacientes com talassemia recebendo
transfusões regularmente acumulam cerca de 0,3 a 0,5mg de
ferro por Kg por dia. Quando a quantidade de ferro acumulada atinge
12 a 24g, as complicações clínicas começam
a aparecer.
Se não for tratada, a sobrecarga de ferro
geralmente leva os pacientes ao óbito na segunda ou terceira
década de vida, principalmente por conta de complicações
cardíacas.
As principais complicações associadas
à sobrecarga de ferro em diferentes tecidos e órgãos
do corpo são:
• Cardíacas: arritmias e insuficiência
cardíaca (Figura 4).
• Hipogonadismo hipogonadotrófico
por lesão do hipotálamo e glândula pituitária,
podendo resultar em baixa estatura, retardo ou ausência de
puberdade, e infertilidade.
• Outros problemas endócrinos: intolerância
a glicose, diabetes mellitus, hipotiroidismo e hipoparatiroidismo.
• Disfunção hepática:
cirrose ou fibrose hepática (Figura 4).
• Propensão à infecção
(p.ex. Yersinia).
A quantificação da sobrecarga
de ferro por meio de exames específicos é extremamente
importante para a tomada de decisões relacionadas ao tratamento
de quelação (retirada do ferro em excesso do organismo).
Os principais métodos utilizados para este fim são:
• Ferritina sérica: é o
método mais utilizado na prática clínica
por ser rápido, barato e disponível na maioria dos
laboratórios. Uma vez que o resultado pode ser alterado
na vigência de processos inflamatórios e infecciosos,
é preferível utilizar determinações
seriadas deste parâmetro, obtidas no estado basal, como
base para interpretação e tomada de ações.
• Biópsia hepática: este
método permite a avaliação precisa do depósito
de ferro no parênquima hepático e tem sido um dos
meios mais fidedignos para se quantificar o excesso de ferro no
organismo. No entanto, a natureza invasiva da biópsia limita
a sua ampla utilização; além disso, a análise
depende da obtenção de bons fragmentos.
• Ressonância magnética:
este método permite, por meio de uma técnica denominada
T2 estrela (T2*), avaliar com precisão o excesso de ferro
no fígado e também no coração. Pelo
fato de não ser invasiva, oferecer resultados comparáveis
aos obtidos por meio de biópsia hepática, e ainda
possibilitar a avaliação do ferro cardíaco,
a ressonância magnética têm sido cada vez mais
utilizada nos principais centros de tratamento de talassemias
para este fim.
|
Figura 4: Ressonância magnética com
análise por meio da técnica do T2* (áreas escuras
denotam acúmulo de ferro). A) Acúmulo de ferro no fígado
(seta); acima do fígado, vê-se que o coração
não tem acúmulo significativo de ferro. B) Acúmulo
de ferro no coração (seta); fígado sem acúmulo
significativo. (Fonte: Anderson et al. Eur Heart J 2001;22:2171-9).
|
 |
Resumo clínico:
® Herança: homozigoto ®
Valor basal da hemoglobina: <7g/dL ®
Sintomas: presentes e de intensidade acentuada ®
Transfusões: regulares ®
Sobrecarga de ferro: inevitável |
|
O tratamento da talassemia
O tratamento “standard” dos pacientes
portadores de talassemia maior consiste basicamente em transfusões
de sangue regulares a cada 3 ou 4 semanas, associadas ao uso dos
quelantes de ferro (medicações que retiram o excesso
de ferro acumulado por conta das transfusões de sangue).
Há algumas décadas, a maioria dos
pacientes com talassemia maior não sobrevivia além
dos 20 ou 30 anos de idade. Com o modelo terapêutico atual,
adotado na maioria dos centros especializados, é possível
aumentar consideravelmente a expectativa de vida em boa parte dos
pacientes, inclusive para próximo do normal.
A melhora na expectativa de vida dos pacientes
trouxe novos desafios terapêuticos que até então
não haviam sido considerados como, por exemplo, a avaliação
da fertilidade em pacientes adultos que planejam ter filhos ou mulheres
que passarão por gestação, bem como a presença
de outras comorbidades típicas de idade avançada,
como hipertensão arterial, diabetes, DPOC, câncer,
etc.
A comunicação entre os pacientes
e familiares, bem como entre os profissionais dos diferentes níveis
de complexidade que atendem os pacientes é fundamental para
que o tratamento proposto ocorra de forma eficaz.
Centros de tratamento
O acompanhamento e tratamento de pacientes portadores
das formas graves de talassemia devem ser feitos preferencialmente
em centros que apresentam as seguintes características:
• Médicos hematologistas com especialização
ou experiência em hemoglobinopatias. Profissionais da saúde
(enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos e assistentes sociais)
com experiência ou capacitação em hemoglobinopatias.
• Infra-estrututra para atendimento ambulatorial,
emergência 24h e internação de pacientes. Laboratório
de análises clínicas e recursos para realizar exames
de imagem complexos. Banco de sangue próprio ou conveniado
e hospital-dia para acomodar pacientes que recebem transfusões
regulares e programadas.
• Facilidade para encaminhar pacientes para
avaliação por outras especialidades.
• Centro de apoio próprio ou conveniado
para oferecer suporte psicológico, aconselhamento genético,
orientações e reuniões de grupos de pacientes
e familiares.
Transfusões de sangue
Transfusões de sangue regulares desde a
infância consistem na melhor e principal forma de tratamento
para pacientes portadores de talassemia maior (Figura 5).
Os principais objetivos do tratamento transfusional
são: corrigir a anemia, permitir o crescimento, desenvolvimento
e realização de atividades normais, prevenir o aumento
do baço e inibir a hiperplasia eritróide na medula
óssea.
Por definição, pacientes com talassemia
intermédia ou doença da hemoglobina H não necessitam
de receber transfusões regulares. Entretanto, transfusões
ocasionais podem ocorrer por motivos de doenças, gestação
ou cirurgias, entre outras.
Assim, as medidas terapêuticas que serão
descriminadas a seguir referem-se principalmente ao tratamento de
pacientes com talassemia maior. |
Figura 5: Criança com talassemia maior
recebendo transfusão de sangue.
(Fonte: www.thalassaemia.org) |
 |
Início das transfusões
Antes do início do tratamento transfusional,
é desejável que se faça a fenotipagem extensa
de grupos sanguíneos, uma vez que esta pode ser dificultada
pela formação alo-anticorpos após múltiplas
transfusões.
Apesar da possível interferência
do genótipo na gravidade da evolução da talassemia
maior, a decisão de quando se iniciar o tratamento transfusional
permanece eminentemente clínica.
Assim, geralmente considera-se iniciar o programa
de transfusões regulares nas crianças com talassemia
maior quando o valor da hemoglobina é menor que 7g/dL com
presença de fadiga importante, alimentação
deficiente, retardo ou regressão no desenvolvimento, retardo
no crescimento. Outros fatores a serem considerados nessa decisão
são esplenomegalia progressiva e evidência de expansão
ou deformação óssea. É importante excluir
causas reversíveis de anemia associadas a talassemia, como
ferropenia e quadros infecciosos concomitantes.
Se possível, o tratamento transfusional
deve ser iniciado até a idade de 3 anos, uma vez a partir
daí o risco de desenvolver múltiplos anticorpos aumenta,
tornando difícil a seleção de unidades compatíveis.
Quanto e quando transfundir
Geralmente costuma-se transfundir o paciente para
manter o valor de hemoglobina ente 9,5 e 10g/dL. Nessas condições,
é possível permitir o crescimento e desenvolvimento
adequado das crianças afetadas, além de inibir a hiperplasia
da medula óssea e minimizar o acúmulo de ferro.
O intervalo entre as transfusões geralmente
varia de 2 a 4 semanas e a quantidade de concentrados de hemácias
varia de 1 a 3 unidades por vez (ou 10 a 15ml por Kg de peso). O
ideal é que os pacientes pré-estabeleçam os
dias das suas transfusões de acordo com a disponibilidade
do serviço de hemoterapia e também de suas próprias
ocupações.
Normalmente, os pacientes realizam os exames pré-transfusionais
alguns dias antes das transfusões. No dia das transfusões,
é preferível que a canulação venosa
seja feita por profissionais experientes, uma vez que várias
tentativas de punção sem sucesso tendem a tornar o
procedimento cada vez mais difícil nas transfusões
subseqüentes, além de aumentar a ansiedade do paciente.
As unidades transfundidas devem ser leucodepletadas
e compatíveis em relação aos grupos sanguíneos
ABO, Rh (D, C, c, E,e) e Kell. A seleção de unidades
com maior volume de glóbulos vermelhos e menor tempo de coleta
(menos de duas semanas, se possível) pode ajudar a diminuir
a freqüência das transfusões no paciente.
Complicações do tratamento transfusional
A principal complicação relacionada
ao regime transfusional crônico é a sobrecarga
de ferro.
Outras complicações importantes
associadas às transfusões de concentrados de hemácias
são:
• Reações transfusionais agudas
(febril hemolítica e não-hemolítica, e urticariforme,
entre outras)
• Transmissão de infecções
(p.ex. hepatites virais e HIV)
• Alo-imunização
É importante destacar que embora exista
o risco de transmissão de infecções por meio
de transfusões, o mesmo encontra-se muito reduzido em virtude
das políticas rigorosas de triagem clínica e sorológica
dos doadores adotadas em praticamente todos os bancos de sangue
e hemocentros do Brasil.
Da mesma forma, boa parte das reações
transfusionais agudas são minimizadas pela utilização
do filtro de leucócitos nas unidades transfundidas, assim
como a incidência de alo-imunização diminui
com a transfusão de unidades fenotipadas para os grupos sanguíneos
ABO, Rh e Kell.
Sobrecarga de ferro
Geralmente a terapia quelante tem seu início
em crianças por volta dos 3 anos de idade, após terem
recebido cerca de 10 a 12 transfusões ou quando o valor da
ferritina encontra-se persistentemente acima de 1000µg/L.
Atualmente, os quelantes disponíveis no
mercado são:
1) Desferrioxamina (Desferal®):
é o quelante mais antigo e tradicional, utilizado como monoterapia
por décadas. Devido ao grande tamanho da molécula
desta droga, a absorção intestinal torna-se impossibilitada.
Assim, seu principal inconveniente é a via de administração,
necessariamente subcutânea ou endovenosa, e o tempo prolongado
de infusão (Figura 6). A dose inicial preconizada é
de 25-30mg/Kg por infusão subcutânea de 8 a 12 horas,
administrada cinco a seis vezes por semana. Embora eficaz, o tratamento
com desferrioxamina é geralmente prejudicado pela falta de
adesão ao protocolo por parte do paciente. Os principais
efeitos colaterais desta medicação são: retardo
no crescimento, lesões ósseas e perda da acuidade
auditiva.
2) Deferiprone (L1): foi o primeiro
quelante oral a ser utilizado em grande escala nos pacientes (preferencialmente
acima dos 6 anos de idade). Mostrou-se mais eficaz na remoção
do ferro cardíaco em comparação com os outros
quelantes. Pode ser utilizado como monoterapia ou em combinação
com a desferrioxamina. A dose inicial preconizada é de 75mg/Kg/dia
por via oral dividida em três tomadas (de 8 em 8 horas). Os
principais efeitos colaterais são: agranulocitose (0,5-1%),
artropatia (4-50%), náuseas, elevação intermitente
de transaminases. Na terapia combinada com desferrioxamina, o deferiprone
deve ser tomado diariamente e a dose e freqüência da
desferrioxamina ajustada em função da sobrecarga de
ferro.
3) Deferasirox (Exjade®):
novo quelante oral com resultados promissores e posologia cômoda,
embora com pouco tempo de uso. Mostrou-se muito eficaz na remoção
do ferro hepático em comparação com os demais
quelantes. Pode ser usado após os 2 anos de idade. A dose
inicial preconizada é de 20mg/Kg/dia por via oral uma vez
ao dia. Os principais efeitos colaterais são sintomas gastro-intestinais
(náuseas, vômitos e diarréia), rash cutâneo,
nefrotoxicidade (elevação da creatinina sérica).
|

Figura 6: Tipos de bomba (A) para infusão
da desferrioxamina e aplicação subcutânea da droga
(B). |
 |
Transplante de medula óssea
Até o momento, já foram transplantados
mais de 1600 pacientes com talassemia maior. Na grande maioria dos
casos este tratamento tem sido realizado em pacientes com menos
de 17 anos de idade, sendo que a idade ideal para a realização
deste procedimento situa-se entre os 18 meses e 3 anos.
Embora seja o único tipo de tratamento
capaz de curar pacientes com talassemia maior, a ampla utilização
do transplante de medula óssea (TMO) enfrenta os seguintes
obstáculos:
• Disponibilidade de doador: apenas 30%
das crianças com talassemia maior apresenta um doador aparentado
(irmão ou irmã) HLA-compatível.
• Estado geral e intensidade das complicações
decorrentes da talassemia no momento da indicação
do TMO.
• Toxicidade e complicações
associadas ao TMO: infecções, doença do enxerto
contra hospedeiro (aguda e crônica), tempo de aplasia prolongado,
sangramentos, disfunções endócrinas, risco
de neoplasia secundária, etc.
• Mortalidade associada ao procedimento
de 7 a 15% nos centros mais experientes, incluindo pacientes de
alto e baixo risco.
• Melhora do tratamento de suporte: tratamento
transfusional mais seguro e eficaz, novos quelantes com posologia
cômoda, aumento considerável da sobrevida com tratamento
conservador, etc.
Os fatores de risco que sabidamente prejudicam o resultado do TMO
na talassemia maior são:
• Tratamento quelante irregular
• Hepatomegalia
• Fibrose hepática (quantificada
por meio de biópsia)
Nos pacientes sem nenhum fator de risco a sobrevida
global, sobrevida livre de talassemia e a mortalidade são,
respectivamente, de 93%, 91% e 7%, e naqueles com os três
fatores de risco presentes, de 79%, 58% e 10%.
Embora a indicação de TMO na talassemia
maior não seja rotineira, nem automática, a recomendação
é que o assunto deva ser discutido com a
família quando a criança afetada tem entre 12 e 18
meses de idade, independente da disponibilidade ou não de
doador. Os detalhes referentes ao TMO devem ser esclarecidos por
uma equipe especializada neste tipo de tratamento e a decisão
tomada em conjunto entre médicos, paciente e seus familiares
(principalmente no caso de crianças).
Momentos cruciais do acompanhamento dos talassêmicos
Pacientes portadores de hemoglobinopatias podem
e devem ser acompanhados também por pediatras, clínicos
gerais, ginecologistas e médicos de família, que estão
habilitados a avaliar e resolver boa parte dos problemas de saúde
apresentados pelos pacientes, especialmente os de origem não
hematológica. Entretanto, há determinados momentos
que demandam uma avaliação mais especializada. As
situações descritas abaixo devem ser abordadas preferencialmente
em centros de referência para tratamento de pacientes portadores
de hemoglobinopatias:
• Confirmação do diagnóstico
• Início do tratamento transfusional
• Início da terapia quelante
• Decisões quanto ao tipo e dose
do tratamento quelante
• Problemas de adesão ao tratamento
quelante
• Revisão anual clínica e
laboratorial do paciente com talassemia
• Discussões acerca de decisões
potencialmente complexas: indicação de esplenectomia
e cirurgias de grande porte; ação diante de problemas
e disfunções endócrinas, ortopédicas,
cardíacas, hepáticas e de fertilidade; indicação
de transplante de medula óssea; problemas psico-sociais complexos.
Bibliografia
1. Naoum PC. Hemoglobinopatias e talassemias. 1ª ed. São
Paulo: Sarvier; 1997.
2. Steinberg et al. Disorders of hemoglobin. 1ª ed. Cambridge
University Press; 2001.
3. Rodgers GP. Sickle cell disease and thalassaemia. Cambridge:
Baillière Tindal; 1998.
4. Yardumian et al. Standards for the clinical care of children
and adults with thalassaemia in the UK. United Kingdom Thalassaemia
Society; 2005.
5. Hoffbrand AV, Pettit JE. Clinical Haematology. 2nd ed. Sandoz,
1994.
6. Anderson et al. Cardiovascular T2-star (T2*) magnetic resonance
for the early diagnosis of myocardial iron overload. Eur Heart J
2001;22:2171-9.
7. Bhatia M, Walters MC. Hematopoietic cell transplantation for
thalassemia and sickle cell disease. Bone Marrow Transplantation
2008;41:109-17.
|
|
|
|
|
 |
|
|
|
|
|
|