Autor:   Paulo Cesar Naoum
    Flávio Augusto Naoum
 
Introdução
 
   As hemoglobinas instáveis constituem um grupo de variantes genéticas de hemoglobinas em que a mutação de aminoácidos nas globinas alfa ou beta afeta a estrutura da molécula tornando-a instável. A avaliação da estabilidade da molécula de hemoglobina é realizada por métodos físico-químicos bem definidos atualmente, entre os quais destacam-se o aquecimento da solução de hemolisado entre 50 e 60°C, a incubação com isopropanol (HCl) a 37°C, ou a agitação vigorosa do tubo contendo o hemolisado. Assim, as hemoglobinas que precipitam mais rapidamente do que as normais são designadas instáveis.

   Devido à grande diversidade dos pontos de mutações na estrutura globínica, bem como os tipos de mutações por substituições e deleções de aminoácidos, as formas de instabilização se apresentam muito variadas. Devido a Por essa razão, algumas hemoglobinas são discretamente instáveis e não estão associadas com sintomas clínicos, enquanto outras hemoglobinas instáveis se precipitam com grande intensidade, causando anemias hemolíticas. Essas anemias podem ser graves, com acentuada diminuição dos níveis de hemoglobina e reticulocitose muito elevada, ou, então, podem apresentar-se com discreto quadro hemolítico acompanhado por modesta reticulocitose.

   Uma das principais características das hemoglobinas instáveis que causam anemia hemolítica é a presença de corpos de inclusões eritrocitários conhecidos por corpos de Heinz. Os corpos de Heinz normalmente não são visualizados nos eritrócitos circulantes, a não ser que o portador tenha sido esplenectomizado, mas podem ser detectados quando os eritrócitos são incubados com corantes indutores, por exemplo, azul de cresil brilhante. Em geral, o grau de instabilidade da hemoglobina instável está relacionado com a produção de corpos de Heinz e com a gravidade da anemia.

   Desde 1964, quando Grimes, Meisler e Dacie descreveram a primeira hemoglobina instável, cerca de 200 variantes diferentes foram estruturalmente caracterizadas, muitas das quais causadas por mutações recentes, ou “fresh mutations”, sem apresentarem história familiar.

   No Brasil o aparecimento de hemoglobinas instáveis não é incomum. Vários casos foram registrados em São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Santa Catarina e em Manaus. Em nosso laboratório diagnosticamos 18 casos, dos quais cinco foram identificados como Hb Koln, além de vários outros tipo: Hb Niterói, Hb Sant’Anna, Hb Hasharon, Hb Meinz, etc.


Bioquímica e Fisiologia das Hemoglobinas Instáveis

   A estrutura tetramerizada da molécula de hemoglobina se mantém estável por meio de importantes ligações efetuadas por aminoácidos. Um desses pontos de contato corre entre as globinas dos tipos alfa e beta, ou a1b1. Outro ponto de estabilização química é verificado na superfície interna da hemoglobina, e é exercido, notadamente, pelos aminoácidos que protegem o grupo heme da oxidação. Por outro lado, a própria estrutura tridimensional da hemoglobina, com forma helicóide, estabelece a configuração globular da hemoglobina e mantém os equilíbrios funcional e estrutural entre seus aminoácidos formadores. A substituição de qualquer um desses resíduos, pertencentes a um dos três pontos estabilizadores, por outro de características físicoquímicas diferentes, por exemplo: tamanho, ponto isoelétrico e polaridade impossibilitará a manutenção da integridade molecular. Essa desestabilização ocorrerá, inicialmente, pelo afrouxamento da sua estrutura, permitindo o acesso de água para o inteior do grupo heme, oxidando-o. A esse processo segue-se a desintegração do tetrâmero, cujos polipeptídeos desagregados precipitam-se no interior dos eritrócitos sob forma de corpos de Heinz.

   Fisiologicamente a instabilização da hemoglobina pode ser explicada como conseqüência de uma ligação anormal entre as globinas alfa e beta, especialmente nos contatos a1b1, e também pelo bloqueio do radical SH do aminoácido cisteína (Cis) que ocupa a posição 93 da cadeia polipeptídica beta. Supõe-se que as substituições de aminoácidos que participam da estabilização da molécula, e também daqueles que estão próximos do grupo heme, diminuem a atração da globina por seus grupos hemes. Se esses processos ocorrerem na globina beta, os radicais SH reativos poderão ser afetados. A globina desprovida do heme é a principal responsável pela formação dos corpos de Heinz, os quais se fixam na membrana dos eritrócitos por duplas ligações de enxofre, alterando-lhe a permeabilidade e a osmose, provocando, consequentemente, a sua destruição precoce e a anemia. Os hemes livres, após terem sido metabolizados, transformam-se em pigmentos dipirróicos que, ao serem excretados pela urina, tornam-na escura.


Formação dos corpos de Heinz

   A hemólise eritrocitária decorrente da formação dos corpos de Heinz é um fenômeno oxidativo.

   Um fator comum das mutações instabilizantes se deve à alteração do meio em que o grupo heme está inserido. Três conseqüências advêm desse processo: facilidade da hemoglobina em se oxidar, diminuição da afinidade da globina pelo grupo heme e tendência da oxiemoglobina em se transformar em metaemoglobina, com o desencadeamento de eventos desnaturantes observados na figura 8.1.





Figura 8.1:
Seqüência de eventos no processo de oxidação das hemoglobinas instáveis.





   A geração de corpos de Heinz se deve, portanto, a uma série de reações oxidativas que se inicia pela transformação da oxiemoglobina em metaemoglobina. Como se sabe, uma das mais importantes funções da globina é manter o grupo heme na forma reduzida. Para efetuar esse controle, no qual a água é totalmente impedida de penetrar no interior do grupo heme e, assim, não atingir o ferro, ocorre uma conformação estrutural do aminoácido que resulta no chamado “pacote de proteção do grupo heme” ou, simplesmente, “pacote do heme”. Dessa forma, mantém-se o ferro no estado ferroso (Fe+ + ou Hb+ +O2- - ).

   A maioria das hemoglobinas instáveis tem propensão a se autoxidar em metaemoglobina, o que representa um valor de três a quatro vezes maior do que a Hb A. A formação de metaemoglobina envolve a transferência de elétrons do ferro do grupo heme, com liberação de radicais superóxidos:


Fe+ + ou Hb+ +O2- -      ®      Hb+ + + + O2-


   Quando o grau de formação de metaemoglobina aumenta, como no caso das hemoglobinas instáveis, a metaemoglobina redutase não consegue reverter a situação, desfazendo o equilíbrio entre oxiHb e metaHb (figura 8.1). Como conseqüência desse desequilíbrio, a metaemoglobia origina subprodutos conhecidos por hemicromos e perde o grupo heme. Esses subprodutos de globinas instáveis e desprovidas do grupo heme se precipitam nos eritrócitos, sob forma de corpos de Heinz (figura 8.2). Os corpos de Heinz exercem efeitos deletérios às proteínas de membranas dos eritrócitos, causando oxidação da banda 3, fato que permite o reconhecimento imunológico pelos macrófagos do sistema retículo-endotelial do baço. A ação dos macrófagos, ao retirar por fagocitose os corpos de Heinz causa a deformação dos eritrócitos, resultando as células “mordidas”, (figura 8.3), com conseqüente hemólise e anemia.




Figura 8.2: Eritrócitos com precipitados de corpos de Heinz em pessoa esplenectomizada com hemoglobina instável do tipo Koln.






Figura 8.3: “Célula mordida” no sangue periférico de um portador de hemoglobina instável.





Oxidações e mecanismos de hemólise

   Alguns trabalhos realizados com hemoglobinas instáveis demonstraram que a liberação do ferro, no processo de degradação da molécula de hemoglobina, contribui para estimular mais reações oxidativas. Na auto-oxidação das hemoglobinas instáveis ocorre a contínua geração de íons superóxidos e, consequentemente, aumenta a requisição de enzimas redutoras para equilibrar as atividades de oxidação-redução. O efeito quase imediato à ação oxidativa resulta no aumento da concentração das enzimas nicotinamida-adenina-dinucleotídeo-reduzida (NADH); nicotinamida-adenina-dinucleotídeo-fosfato-reduzida (NADPH), da metaemoglobina redutase, catalase, glutationa peroxidase e superóxido dismutase. Obviamente, o processo oxidativo nas hemoglobinas instáveis sobrepõe as reações das enzimas redutoras, apesar de estas estarem permanentes com seus processos de sínteses elevados em comparação as de eritrócitos com hemoglobinas normais.

   O mecanismo de hemólise que ocorre nos eritrócitos com hemoglobinas instáveis se deve, portanto, à ação de três fatores:

1. presença da hemoglobina desnaturada;
2. formação de corpos de Heinz;
3. gerações de radicais livres provenientes do estresse oxidativo.

   Desses três fatores, acredita-se ser os corpos de Heinz como a principal causa da hemólise. Estudos da ultra-estrutura celular eritrocitária mostraram que as células contendo corpos de Heinz podem ser destruídas no baço ou fígado, ou terem seus corpos de Heinz seletivamente marcados por macrófagos (figura 8.4). Os eritrócitos com corpos de Heinz perdem sua plasticidade ao passarem pelos estreitos sinusóides do baço, tornando-se lentos e com dificuldades para atravessarem as paredes dos vasos, esses fatores alteram sua mobilidade, permitindo a ação dos macrófagos e a sua precoce destruição.



As tabelas 8.1 e 8.2 apresentam as principais características laboratoriais e clínicas das hemoglobinas instáveis mutantes de globinas alfa e beta, respectivamente. (Clique aqui para visualizá-las)





Figura 8.4:
Fotomicrografia eletrônica de eritrócitos marcados por macrófagos. Observar as lesões de membranas causadas pela agregação de corpos de Heinz.





Características gerais das hemoglobinas instáveis

   A principal evidência laboratorial das hemoglobinas instáveis é sua reduzida estabilidade quando submetidas ao calor de 50 a 60ºC. Particularmente, a mudança que reduz os contatos entre as subunidades que compõem a hemoglobina produzirá sua instabilidade. Exemplos importantes são a Hb E e a Hb S que dão reações discretamente positivas ao serem submetidas aos testes de calor e ao isopropanol. Apesar de essas hemoglobinas terem um pequeno grau de instabilidade, o termo hemoglobinas instáveis deverá ser reservado àquelas hemoglobinas que produzem corpos de inclusões de Heinz em pacientes com anemias hemolíticas agudas ou crônicas.

   Outras características das hemoglobinas instáveis são as seguintes:

1. originam-se de mutações que envolvem substituições de aminoácidos em regiões muito sensíveis da molécula, cujo equilíbrio da composição química é imprescindível na sua estabilização e viabilidade fisiológica;
2. todas as formas descritas até o presente são heterozigotas;
3. estão associadas a anemias hemolíticas crônicas ou agudas, de variável intensidade: discreta, moderada ou grave;
4. a anemia pode ser induzida por alguns medicamentos, especialmente aqueles com compostos oxidantes e sulfonados, ou por processos infecciosos, por exemplo: após gripe, infecção bacteriana, etc.;
5. os corpos de Heinz não são visualizados em eritrócitos sem prévia coloração vital, a não ser em pacientes esplenectomizados;
6. o grupo heme se desnatura in vivo produzindo a excreção urinária de dipirróis, tornando-a escura;
7. o ferro é oxidado para o estado férrico, formando a metaemoglobina, cuja concentração é variável para um mesmo portador, em diferentes épocas de análise;
8. a labilidade molecular causada pelo tipo de mutação torna a hemoglobina instável facilmente desnaturável ao calor;
9. quando a mutação ocorre na globina beta, há liberação de globinas alfa que podem ser observadas em eletroforeses de acetato de celulose, ou gel de amido, próximas ao ponto de aplicação;
10. geralmente os pais de portadores dessa anemia hemolítica não apresentam hemoglobinas instáveis, porém numa história bem feita é possível extrair dados importantes que podem explicar o aparecimento dessas formas de hemoglobinopatias.


Diagnóstico laboratorial


   O diagnóstico laboratorial das hemoglobinas instáveis deve ser realizado utilizando-se técnicas específicas de desnaturação ao calor a 50 e 60°C, desnaturação pelo isopropanol-HCl a 37°C, pesquisa citológica de corpos de Heinz e eletroforese qualitativa de hemoglobinas em pH alcalino. Outras técnicas auxiliares devem ser utilizadas quando convenientes e necessárias, entre as quais destacamos as dosagens de metaemoglobina, a Hb A2, e da fração alterada. É importante enfatizar que o diagnóstico laboratorial das hemoglobinas instáveis deve ser processado cuidadosamente, uma vez que a diversidade polimórfica, juntamente com as manifestações clínicas e laboratoriais desses tipos de alterações, são muito amplas.

   Hematologicamente observa-se o seguinte:

1. Eritrócitos – variável de 1,5 a 4,0 x 106/mm3. O tempo de sobrevivência dos eritrócitos está sempre diminuído, mesmo nos períodos intercrises hemolíticas.
2. Hemoglobinas –- diminuição do teor das hemoglobinas é constante, e difere entre os portadores de uma mesma mutante. Em geral, a média verificada é próxima de 10g/dL, com dosagens mínimas situadas entre 3 e 5g/dL nos períodos de crises hemolíticas.
3. Hemoglobina corpuscular média – diminuída devido à continua formação de corpos de Heinz.
4. Volume corpuscular médio – geralmente normal, apesar de evidente aniso-poiquilocitose.
5. Reticulócitos – frequentemente aumentados, variando de 3 a 15% na maioria dos portadores de hemoglobinas instáveis, e de 50 a 75% em pacientes com hemoglobinas Southampton, Sabine, Savannah e Abraham Lincoln. Inclusões semelhantes aos da Hb H podem estar presentes na maioria dos pacientes com esse tipo de hemoglobinopatias.
6. Morfologia eritrocitária – é comum a anisopoiquilocitose, pontilhados basófilos e policromatofilia, com diferentes graus de intensidades entre os portadores de hemoglobinas instáveis.
7. Leucócitos – valores qualitativos e quantitativos geralmente normais.
8. Plaquetas – geralmente normais.


Metodologia laboratorial específica

   As técnicas específicas mais sensíveis para o diagnóstico laboratorial desse grupo de hemoglobinas anormais são as seguintes:

1. Desnaturação ao calor – a maioria dessas variantes apresenta positividade nos testes de termolabilidade a 5 e 60°C.
2. Desnaturação em solução de isopropanol – HCl a 37°C.
3. Pesquisa de corpos de Heinz – esses corpos de inclusões são formados espontaneamente em sangue periférico de pacientes com hemoglobinas instáveis submetidos à esplenectomia. Entretanto, os corpos de Heinz podem ser visualizados no sangue periférico após incubação com corantes redox (azul de cresil brilhante, fenilidrazina) nos pacientes não-esplenectomizados.
4. Eletroforese em pH alcalino (8,0 a 9,0) – cerca de 50% das hemoglobinas instáveis descritas apresentam mobilidade semelhante à da Hb A. Esse fato ocorre principalmente quando a mutação envolve a troca de aminoácidos sem cargas, especialmente entre os tipos hidrofóbicos localizados na superfície interna da molécula de hemoglobina. Em hemolisados preparados com agentes hemolisantes, por exemplo: saponina a 1%, é possível observar frações difusas de heme desagregados na posição padrão da Hb S (figura 8.5). Nas mutantes de globinas beta é comum a presença de cadeias alfa livres próximas ao local de aplicação da amostra (figura 8.6). A fração de uma hemoglobina instável é quase sempre difusa, e a concentração, embora muito diversa (2 a 40%), não guarda relação com o grau de anemia. A Hb A2 está constantemente aumentada, notadamente nas mutantes de globinas beta, cujo fato decorre da grande estabilidade dessa hemoglobina, que se sobressai diante da constante desnaturação da hemoglobina instável. Polímeros de hemoglobinas instáveis podem ser detectados em alguns casos (figura 8.7).
5. Dosagem de metaemoglobina – o aumento de metaemoglobina tem sido verificado em cerca de 30% dos portadores de hemoglobinas instáveis, devido à contínua oxidação do ferro. A sua concentração pode alcançar níveis de 30 a 40%.





Figura 8.5:
Eletroforese alcalina (pH 8,5) em acetato de celulose de uma família com hemoglobina instável. A imagem da esquerda mostra hemolisados preparados com saponina a 1%. A imagem da direita, na mesma seqüência de aplicação, mostra as hemoglobinas obtidas de solução de hemoglobina preparada com clorofórmio. As setas indicam a região da hemoglobina instável.






Figura 8.6:
Eletroforese alcalina (pH 8,5) em acetato de celulose. Da esquerda para a direita: Hb AA, Hb A + Hb Instável com cadeia alfa livre, obtida de hemolisado com saponina a 1%; Hb A + Hb Instável obtida de extração com clorofórmio; e Hb AA. A única similaridade entre as duas hemoglobinas instáveis é a posição de Hb A2, um pouco adiante de Hb A2 normal.






Figura 8.7:
Eletroforese alcalina (pH 8,5) em acetato de celulose. (1) Hb AA; (2) Hb A + Instável com polímeros lentos: a, b, c e a posição da Hb A2 alterada (d); (3) Hb A + Fetal elevada.





Outras informações:

   Cerca de 35% das hemoglobinas instáveis apresentam alterações na afinidade ao oxigênio, sempre associada à anemia.
   O aumento de glicose-6-fosfato desidrogenase (G-6-PD)tem sido relatado em 12% dos portadores desse tipo de hemoglobinopatia.
   O aumento da fragilidade osmótica eritrocitária ocorre em pelo menos 5% desses pacientes.


Aspectos clínicos

   Os sinais e sintomas clínicos acompanham o grau de instabilidade da molécula, ou seja, as hemoglobinas levemente instáveis são assintomáticas, e as bastante instáveis produzem o quadro de anemia hemolítica grave. O início da doença depende, porém, do tipo de globina afetada: as de globinas alfa ou gama têm início no período neonatal e as de globina beta somente após 3 a 4 meses de vida. Nesta ocasião podem desaparecer os sintomas causados pela anormalidade na globina gama, devido à sua substituição pela beta. Outro fator que pode influenciar a clínica é o grau de afinidade da hemoglobina ao oxigênio: a hemoglobina instável pode possuir afinidade com redução do P50, ocasionando poliglobulia, ou baixa afinidade com elevação do P50, e resultando em cianose por formação da metaemoglobina. A poliglobulia associada à hemólise compensada pode elevar os níveis de hemoglobinas do paciente próximo ao limite superior da faixa normal.

   Uma importante característica clínica das hemoglobinas instáveis são as “crises hemolíticas”, de início abrupto, desencadeadas por infecção de origem viral ou pela ingestão de drogas oxidantes (derivados das sulfonamidas). A doença pode tornar-se sintomática e ser diagnosticada pela queda rápida e intensa da hemoglobina mas variantes levemente instáveis. Esta situação é causada por elevação do grau de instabilidade molecular. Com relação ao quadro infeccioso, tem sido proposto o seguinte mecanismo fisiopatológico:










   Têm sido relatadas também as “crises aplásticas”.

   Nas variantes muito instáveis, o quadro de anemia hemolítica crônica acha-se completamente instalado no fim do primeiro ano de vida com icterícia, esplenomegalia, palidez e alguns casos com eliminação de urina escura pela excreção de dipirróis derivados dos corpos de Heinz, além de cianose causada pela presença de metaemoglobina (tabela 8.3).



Tabela 8.3: Características clínicas dos portadores de hemoglobinas instáveis.

Anormalidades Freqüência % Comentários
Icterícia neonatal
Sintomas de anemia
5
80
Não relatado. Variável. Depende da afinidade ao oxigênio, e indução de drogas oxidantes.
Cianose
Pigmentúria
32
64
Causada por meta e sulfoemoglobinemia. Importante fator para o diagnóstico. É encontrada somente nas crises hemolíticas agudas.
Esplenomegalia
Intolerância a drogas
86
10
Freqüente nos episódios de hemólise. Sulfonamidas e derivados.






   Outros achados incluem colelitíase, alterações ósseas e retardo do crescimento, podendo-se assemelhar à talassemia beta homozigota, com eritropoiese ineficaz. Diante de um quadro de anemia hemolítica hereditária não-esferocítica com hipocromia e reticulocitose desproporcional, deve-se suspeitar de hemoglobina instável.

   A herança sendo autossômica dominante evidencia-se a doença nos heterozigotos. São descritas interações com a talassemia beta, Hb Lepore, Hb S, Hb C, entre duas Hb instáveis, e adquirida após doença mieloproliferativa (Policitemia vera).

   O tratamento baseia-se na prevenção de uso de drogas oxidantes e de infecções, e pela administração de ácido fólico em doses baixas (3mg/dia). As transfusões de concentrado globular podem ser necessárias constantemente nas formas graves, levando às complicações e aos riscos inerentes. Quelantes de ferro podem ser tentados para o controle do acúmulo de ferro. A esplenectomia poderá ser útil, mas nem todos os casos dela se beneficiam. Nas variantes com alta afinidade da hemoglobina pelo oxigênio, há registro de mortes por tromboembolia secundária a uma eritrocitose compensatória exagerada pós-esplenectomia, associada à hemólise e plaquetose. Nestes pacientes ela deve, portanto, ser evitada. Se indicada, deve-se realiza-la após o sexto ano de vida, promovendo a vacinação antipneumocócica prévia e a profilaxia penicilínica após a idade adulta, devido à alta incidência de septicemia por germes encapsulados. A colecistectomia poderá, também, ser necessária.

   O prognóstico das hemoglobinas instáveis geralmente é benigno.